Ano 20

Vanessa Alves

“Cinema eu corro atrás”. Essa é uma das confissões da atriz Vanessa Alves, um nome importante do cinema paulista da Boca do Lixo e musa querida do grande cineasta Carlos Reichenbach.

 Vanessa Alves começou a carreira na fase final das pornochanchadas, as comédias eróticas que durante muito tempo foram o saco de pancadas dos críticos e que agora são revistas como ingênuas, diante o forte apelo sexual das produções rotineiras da televisão.

 Em seu segundo filme, “Paraíso Proibido”, Vanessa Alves é dirigida por Reichenbach, conhecido carinhosamente como Carlão, e atua em mais quatro filmes dele – entre eles o premiado “Anjos do Arrabalde”. A atriz é uma das protagonistas do novo trabalho do diretor, “Garotas do ABC,  “é um dos cineastas mais importantes do Brasil e o mais importante para mim”, ela diz com orgulho e admiração.

Vanessa Alves conversou com o Mulheres pelo telefone, de São Paulo, e fala sobre seus primeiros trabalhos, sobre as pornochanchadas, tv, teatro, dublagem, e sua volta às telas do cinema nacional.

  
Mulheres: Antes da sua estréia no cinema você já tinha trabalhos como atriz?

Vanessa Alves: Antes do cinema, eu fazia comerciais para a  televisão. Estudava balé, e cheguei também a participar do programa “Gente Inocente”. Esse, acho que foi quando eu tinha uns 10 anos.   

Mulheres: Seu primeiro filme é de 81, o “Paraíso Proibido”, do Carlos Reichenbach... 

Vanessa Alves: Esse foi o segundo, o primeiro foi “A Filha de Emmanuelle” (1980, Osvaldo Oliveira).  

Mulheres: E como você chegou ao cinema? 

Vanessa Alves: Foi através da agência de publicidade. O Galante (o importante produtor paulista Antônio Polo Galante) estava fazendo testes para esse filme do Osvaldo Oliveira, e eu acabei sendo aprovada.  

Mulheres: Mas você já pensava em uma carreira no cinema? 

Vanessa Alves: O cinema foi por acaso. Eu queria fazer alguma coisa como atriz, mas estava na época final das pornochanchadas. Eu nunca tinha feito cenas de nu, de sexo simulado. Eu era muito tímida, e eu comecei novinha, o Galante teve que esperar eu fazer 18 anos.   

Mulheres: No seu trabalho seguinte, “Paraíso Proibido”, você encontra o cinema de Carlos Reichenbach, um dos cineastas mais importantes do Brasil.

Vanessa Alves: um dos mais importantes do Brasil e o mais importante para mim.   

Mulheres: É, a partir desse filme você atua em vários trabalhos dele.

Vanessa Alves: Sim, “Extremos do Prazer” (1984), “Filme Demência” (1986), “Anjos do Arrabalde” (1987), e agora o “Garotas do ABC” (2003).   

Mulheres: E está também no longa “As Safadas” (1982), em que ele participa, só que você atua no episódio do Antonio Meliande (“Belinha, A Virgem”). 

Vanessa Alves: Sim.   

Mulheres: Com certeza você é uma das musas do Carlão. 

Vanessa Alves: Ele diz isso, que eu sou a versão feminina do Ênio Gonçalves (um dos atores prediletos de Carlos Reichenbach).   

Mulheres: E como foi esse encontro com ele? 

Vanessa Alves: No início, cinema eu ia por ir, era muito tímida, se me colocassem num lugar e me deixasse ali eu era capaz de ficar umas três horas sem sair daquele lugar. Só no “Filme Demência” é que comecei a saber que podia fazer bem o meu trabalho.   

Mulheres: Que aliás é um dos filmes preferidos do Carlão, ele costuma dizer que quer ser lembrado por esse filme.

Vanessa Alves: É, nessa época fiz escola de teatro, comecei a estudar. Já a minha consciência de atriz mesmo foi a partir do “Anjos do Arrabalde”, um filme que amo, que recebeu vários prêmios. Eu recebi o Kikito (Festival de Gramado de 1986, Melhor Atriz Coadjuvante), um prêmio importante, uma espécie de Oscar nosso. E recebi também o prêmio Governador do Estado de São Paulo, em 1987, de Melhor Atriz Coadjuvante.   

Mulheres: “Anjos do Arrabalde” é um filme especial mesmo, muito premiado, sucesso de público, e que reuniu três atrizes de grande importância, Betty Faria, Irene Stefânia e Clarice Abujanra. E você ali, se destacando também, recebendo prêmio. 

Vanessa Alves: Foi ali que eu vi que eu podia fazer e que começaram a me notar, a dizer “você tem uma técnica ótima”. É um filme que eu amo.   

Mulheres: Durante a primeira  metade dos anos 80 você participou de várias pornochanchadas, as comédias eróticas que lotavam as salas e para as quais os críticos torciam o nariz. Como você vê esse momento do Cinema Nacional, você, que participou dele? 

Vanessa Alves: Eu via na época como um trabalho. Um mercado para o ator, para a atriz estar trabalhando. Na época não havia leis de incentivo, os produtores se associavam aos exibidores e realizavam filmes que davam emprego para muita gente. Eu acho que foi um momento importante para o cinema brasileiro.   

Mulheres: Hoje, inclusive, essas comédias são vistas como ingênuas.

Vanessa Alves: Sim, qualquer novela das sete hoje em dia tem cenas muito mais pesadas que as daqueles filmes.   

Mulheres: E com a diferença que são exibidas na televisão. 

Vanessa Alves: Pois é.   

Mulheres: E mesmo nas pornochanchadas, da Boca do Lixo, saíram, ou transitaram por lá, cineastas autorais como o Kouri (Walter Hugo), e o próprio Carlão. Aliás, como é trabalhar com ele. 

Vanessa Alves: Eu adoro trabalhar com o Carlão. Quando ele me convida eu nem quero ver roteiro, eu aceito na hora.   

Mulheres: E teve também o “Os Bons Tempos Voltaram: Vamos Gozar Outra Vez” (1984), do John Herbert e do Ivan Cardoso. O Ivan Cardoso é outro cineasta autoral, com uma estética toda própria. Como foram as filmagens? 

Vanessa Alves: Foram ótimas. O meu episódio (“Primeiro de Abril”) foi dirigido pelo John Herbert, não foi o Ivan. Mas eu gostei muito. Aliás, gostei de todos os diretores com quem trabalhei (Antonio Meliande – “Anarquia Sexual” (1982) e “Vadias pelo Prazer” (1982); Ary Fernandes – “As Vigaristas do Sexo” (1982);  José Miziara – “Pecado Horizontal” (1982); Ody Fraga e Cláudio Portioli  – “A Noite das Taras II” (1982); Conrado Sanchez – “A Menina e o Estuprador” (1982); e John Doo – “Volúpia de Mulher” (1984) foram os outros, além dos citados). O próprio Oswaldo Oliveira (também de “Curral de Mulheres” (1982)), que diziam que era um carrasco. Ele era bravo sim, mas nunca tive problemas com ele. Gostei de todos.   

Mulheres: E televisão, como é sua relação com a tv, novelas? 

Vanessa Alves: Minha paixão é pelo cinema, é para ele que corro atrás. Nunca fui atrás da televisão. Nunca foi minha praia. Fiz alguns trabalhos, um seriado dirigido pelo Vietri (Geraldo), o humorístico “Senti Firmeza”, na Band, a novela “Antônio Alves, Taxista”, a minissérie “Irmã Catarina”, um teleteatro na Cultura, “Lua de Cetim”.   

Mulheres: E teatro? 

Vanessa Alves: Fiz também. Aqui em São Paulo e por todo o Brasil. Fiz “Fim de Caso”, “Filhas da Mãe”, “Oh Calcutá”, e outras. A última foi “Sete Vidas”, do Paulo Goulart, dirigido pela Bárbara Bruno (filha do ator e também atriz).   

Mulheres: Vamos falar agora do “Garotas do ABC”, esse esperado filme do Reichenbach. Como surgiu o convite para participar dele?   

Vanessa Alves: Fazia muito tempo que não via o Carlão. Desde o “Anjos do Arrabalde” que eu não fazia mais filmes, foi aquele período de filme  barra pesada, de sexo explícito, e aí todo mundo parou.  

Mulheres: Nessa época você fez um filme em espanhol não é, acho que “Los Corruptors” (1987)? 

Vanessa Alves: Sim, foi na mesma época do “Anjos”. Na verdade, era um filme argentino, em co-produção com o Brasil. Tinha duas atrizes do Brasil, eu e a Marcela Prado, os atores eram da Argentina e o resto do Paraguai, onde o filme foi rodado. Engraçado, não é? (risos) 

Mulheres: Realmente (risos). 

Vanessa Alves: Então, aí o Carlão pediu uma agência para descobrir onde eu estava. Como tinha muito tempo que ele não me via, ele não sabia como eu estava, daí pediu para eu fazer um teste, e fui aprovada. Ele disse que tinha escrito a personagem pensando em mim, mas não sabia como eu estava, e por isso fiz o teste. Na verdade, esse filme, o “Garotas do ABC”, era um projeto dele para vários filmes. Como ele não conseguiu patrocínio para fazer todos eles, ele juntou as personagens.  

Mulheres: Você disse que ficou um bom tempo sem filmar. E como foi sua vida durante esse tempo?

Vanessa Alves: Eu vivi de teatro e muito de dublagem. 

Mulheres: Dublagem? Que legal, e é um mercado forte, não é? 

Vanessa Alves: Sim, e um universo próximo ao cinema. Por isso gosto de fazer.  

Mulheres: Dublagem para cinema ou para televisão? 

Vanessa Alves: Para todo tipo, documentários, filmes, novelas. Hoje além de dubladora sou também diretora de dublagem. Apareceram muitos convites para teatro, mas muitas vezes não valia a pena financeiramente.  

Mulheres: Mas você disse que já tinha atuado no universo infantil, o “Gente Inocente”, fato que eu desconhecia. Você também está naquele filme da Xuxa, o “PopStar”, da Tizuka Yamasaki? 

Vanessa Alves: Xuxa, não! (muitos risos). É uma homônima, uma outra Vanessa Alves.  

Mulheres: Bom, eu confesso que fiquei também desconfiado de não ser você quando fiz a pesquisa para essa nossa entrevista. Mas como você citou o “Gente Inocente”, eu pensei cá comigo, que talvez você tinha voltado para esse universo (risos). Saiba que na internet consta esse trabalho na sua filmografia. 

Vanessa Alves: (risos) Eu também já li isso, na época, mas nem liguei. Mas é uma homônima. E tem uma outra terceira Vanessa Alves, que já fez stripper no programa da Monique (Alves). Mas não sou eu não viu!. (risos).  

Mulheres: Essa história é engraçada mesma. 

Mas então, vamos voltar ao “Garotas do ABC”.

Vanessa Alves: Sim. Na minha volta ao cinema com o “Garotas” fiquei muito impressionada com a superprodução, bem diferente da outra época. Tem a figurinista, tem a assistente da figurinista, e por aí. E muito ensaio, como são os filmes agora, prática que não tinha muito na minha época.  

Mulheres: Estamos esperando ansiosamente esse trabalho do Carlão, que alias está num momento feliz, com dois filmes em lançamento (o outro é “Bens Consfiscados”). 

Vanessa Alves: É, o “Garotas do ABC” é bem diferente dos outros filmes dele. Normalmente são mais lentos, e esse tem mais ação. Esse é bem diferente.  

Mulheres: Pensando na trajetória do Cinema Nacional, tem alguma mulher, atriz, diretora, roteirista, fotógrafa, enfim, alguma que você destacaria? 

Vanessa Alves: Eu adoro aquele filme, o “Carlota Joaquina” (Princesa do Brasil), da Carla Camurati. É, assim, de imediato, me lembro da Carla, adoro esse filme.  

Mulheres: Que bom que você está de volta ao cinema. 

Vanessa Alves: Que bom que o cinema esteja outra vez com  produção constante. Apesar de que cinema para mim, para nós, as atrizes da minha época, seja um pouco mais difícil. Hoje os diretores só querem atrizes globais, são poucos os que não. Como o Meirelles (Fernando, de “Cidade de Deus”) que parece não gostar muito só de ator de novela, e o próprio Carlão.

E é difícil acompanhar as produções. Como a gente não está na mídia, muitas vezes a gente nem fica sabendo, não dá nem para se candidatar. Porque como lhe disse, cinema eu vou atrás. Mas nem sempre a gente consegue participar, quando fica sabendo já passou.  

Mulheres: É muito bom saber que você está de volta às telas. O Cinema Nacional precisa de atrizes como você.

Vanessa Alves: Muito obrigada. 

Mulheres: Obrigado pela entrevista


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