Ano 21

Sura Berditchevsky

Talentosa atriz, diretora de teatro, e premiada autora de literatura infantil, Sura Berditchevsky, nasceu em São Paulo, mas radicou-se com a família no Rio de Janeiro ainda na infância, e onde construiu toda a sua trajetória artística. “Eu estudei no Colégio Franco Brasileiro, aos 17 anos eu queria muito fazer Teatro, eu tinha muita dúvida, eu queria fazer Psicologia, com certeza na área de Humanas, e comecei a fazer teatro na escola. Era uma época muito pesada, muito difícil, de censura da Ditadura Militar, então foi um período muito difícil. Eu era líder na escola e consegui convencer a direção de a gente ativar o Grêmio, o Teatro e o Cineclube, então convidamos um diretor para nos dirigir e o Cineclube ficou por conta do Marco Altberg. que é um cineasta hoje, da mesma época, contemporâneo meu".

Sura é nome fundamental no Teatro Tablado e no universo da premiada e consagrada dramaturga, diretora e professora de teatro infantil Maria Clara Machado, onde foi aluna, professora, diretora, entre outras funções técnicas. “A Maria Clara Machado foi importantíssima na minha vida e ainda é, não só pela formação profissional, mas pela formação da minha personalidade mesmo, que, obviamente, repercute no trabalho. Eu estou falando de valores humanos, de ética na vida, no palco, no comprometimento com o trabalho”. Também na década de 1970, ela estreia em novelas no marco “Dancin’ Days”, de Gilberto Braga, e o sucesso é imediato. “ Logo em seguida, o Daniel Filho me convida para fazer “Dancin' Days”, em 1977. E aí foi uma coisa, um acontecimento incrível de mudança na minha vida, né, por tudo, pelo ritmo, pela novidade. “Dancin' Days” foi um marco na teledramaturgia, a novela de Gilberto Braga veio a mudar a linguagem das novelas. Isso havia acontecido anos antes, eu era criança e assistia “Beto Rockfeller”. “Dancin' Days” teve um impacto impressionante. Eu fazia parte do triângulo amoroso principal, que era com o Antônio Fagundes e com a Sônia Braga. A Sônia Braga, muito popular na época, sex symbol, porque ela havia feito A Dama do Lotação, enfim, já tinha feito também outras novelas, e muito sucesso".

Sura Berditchevsky tem carreira importante também no cinema, atuando em filmes de Luiz Paulino dos Santos, Oswaldo de Oliveira, Carlos Alberto Prates Correia, Geraldo Sarno, Neville de Almeida, Eduardo Escorel, entre outros. “O Coronel Delmiro Gouveia, do Geraldo Sarno, foi uma experiência maravilhosa e também diferente, porque eu fui para a Bahia, fiquei mais de dois meses em Cachoeira, em São Fidélis. Nós ficamos hospedados em Cachoeira e filmávamos no sertão da Bahia. No elenco tinha, além da Isabel Ribeiro, o Nildo Parente,  um ator que eu já conhecia de teatro, que foi muito importante no Teatro Ipanema, e que fez milhares de filmes. Então eu tive uma troca muito grande e muito importante. e com vários outros atores do casting do filme. Eu adoro esse filme porque ele me deu uma vivência humana e profissional muito grande, e de conviver num set fora da minha cidade, com pessoas dali.”

Sura Berditchevsky conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro e repassou sua trajetória: a formação, o despertar para o teatro, o Teatro Tablado, de Maria Clara Machado, relação com Nelson Rodrigues,  a estreia na televisão e novelas marcos como “Dancin’ Days” e “Marrom Glacê”, a premiada trajetória como escritora de literatura infantil, e, claro, o cinema, em filmes como Noites do Sertão, Coronel Delmiro Gouveia e Os Sete Gatinhos.


Mulheres do Cinema Brasileiro: Para começar,  nome, data de nascimento,  cidade em que nasceu,  e formação.

Sura Berditchevsky: Nasci em São Paulo, em 1 de julho de 1953. Vim para o Rio de Janeiro aos sete anos de idade, sou de uma família de cinco filhos, sou a quarta filha. Chegamos de São Paulo, eu aos sete anos, justamente no ano de 1960, quando a capital foi para Brasília. A praia era o quintal da minha casa, a gente morava em Copacabana, mas foi um contraste grande também porque a gente morava em uma casa em São Paulo, com uma vida, enfim, de quintal, e viemos para esse centro urbano de Copacabana, essa efervescência que era, que ainda é, mas que, na época, era muito forte porque era a Capital. Eu estudei no Colégio Franco Brasileiro, aos 17 anos eu queria muito fazer Teatro, eu tinha muita dúvida, eu queria fazer Psicologia, com certeza na área de Humanas, e comecei a fazer teatro na escola. Era uma época muito pesada, muito difícil, de censura da Ditadura Militar, então foi um período muito difícil. Eu era líder na escola e consegui convencer a direção de a gente ativar o Grêmio, o Teatro e o Cineclube, então convidamos um diretor para nos dirigir e o Cineclube ficou por conta do Marco Altberg. que é um cineasta hoje, da mesma época, contemporâneo meu.

MCB: Sua carreira artística começou no Tablado? Como foi conviver com a mestra Maria Clara Machado?

SB:  Eu comecei a fazer teatro na escola, fiz duas peças do Brecht, uma do Pirandello, autores super importantes. Eu tenho um tio, irmão do meu pai, já falecido, que estudou teatro com a maravilhosa atriz e professora Dulcina de Moraes. Ele estudou direção e cenografia. Então, foi ele quem me levou depois para o Teatro Tablado para conhecer a escola da Maria Clara Machado. Mas eu estava muito em dúvida, porque eu estudava harpa também, se eu queria continuar estudando harpa, se eu iria fazer psicologia, por exemplo, porque eu também me interessava muito. Eu gostava muito de escrever, e essa experiência na escola com teatro foi muito, muito bacana. Eu entrei para o Tablado aos 17 anos, ali eu conheci a Louise Cardoso, o Bernardo Jablonsky, o Carlos Wilson, o Damião, o Milton Dobbin. Logo depois nos formamos, e, a convite da Maria Clara Machado, integramos o primeiro corpo de professores do Teatro Tablado.

Fiz vestibular para Comunicação Social, queria fazer Jornalismo. Entrei para a Faculdade, para a Universidade Federal Fluminense, e cursei até mais ou menos o terceiro ano, e aí foi quando eu optei mesmo que eu queria que a minha mestra fosse a Maria Clara Machado. Eu  cheguei, inclusive, a estagiar na TV Educativa, mas eu percebi logo que eu estava realmente com uma pessoa absolutamente magnífica, e que eu queria seguir com os ensinamentos dela. Então, a minha formação toda foi com a Maria Clara Machado. Logo após, sei lá, uns quatro anos, eu integrei esse primeiro corpo de professores, ficamos muitos anos no Tablado, foi um grupo que permaneceu muito tempo ali e eu já dava aula também em outros lugares, desde 1971, em outras escolas.

Dentro do Tablado, eu participei das peças da dramaturga Maria Clara, as peças infantis maravilhosas, conhecidas já no mundo todo. Na época, quando eu entrei no Tablado, já tinham aqueles cartazes das peças da Maria Clara Machado traduzidas e encenadas em vários países, os países mais inusitados, na Europa, na Polônia, na Rússia, na China. Então ela já era completamente consagrada, e o Tablado estava fazendo 20 anos, em 1971. Além de encenar os principais personagens das peças infantis escritas por ela, eu também interpretei personagens do repertório de teatro para adulto, porque todo ano nós montávamos um texto para adulto e uma peça dela. Na época, imagina, as peças infantis ficavam mais de um ano em cartaz.

A Maria Clara Machado foi importantíssima na minha vida e ainda é, não só pela formação profissional, mas pela formação da minha personalidade mesmo, que, obviamente, repercute no trabalho. Eu estou falando de valores humanos, de ética na vida, no palco, no comprometimento com o trabalho. Para mim, existem duas pessoas que falam do ofício do ator de uma maneira tão grandiosa e que ecoam em mim de uma maneira incrível. E que, no decorrer da minha vida, eu tentei passar para os meus alunos, e muitos deles são atores também, são das artes cênicas, do cinema, da televisão. E mesmo os que não são artistas, que seguiram outro caminho, levam também esse legado. Essas duas pessoas, Maria Clara Machado e Fernanda Montenegro, para mim, são as que mais falam como eu sinto verdadeiramente o que é um artista, o que é um ator, o que é o papel do ator, que não tem nada a ver com glamour, com nada disso, com celebridade, mas a essência do trabalho do artista no teatro. 

MCB: No Tablado você  foi aluna, professora, diretora, além de outras funções.  Qual a importância  do Tablado na sua vida?

SB: Eu meio que fui despontando, eu e a Louise Cardoso, nós, enfim, como é que eu vou dizer? Nós aparecemos muito bem com o trabalho, porque, na época, os artistas que tinham sido do Tablado iam assistir, artistas importantes, diretores, atores, da geração anterior à nossa, críticos também. E logo eu comecei a ser convidada para fazer cinema e também televisão. Mas eu não queria fazer cinema logo, eu achava que eu tinha que estudar mais, eu não me sentia preparada; Era muito diferente do que é hoje em dia, né, porque as pessoas já querem logo estar inseridas no mercado de trabalho. Então, eu fiquei ali fazendo as peças, estudando com a Maria Clara, a gente criava também. Tive um grupo paralelo, nós, atores, alunos, formamos um grupo entre nós de teatro experimental.  Mas eu comecei a fazer cinema e fiz filmes maravilhosos, com diretores muito importantes que tinham vindo do Cinema Novo.

MCB: Fora do Tablado, você  dirigiu "Valsa n 6", atuou nas peças  "A Serpente" e em "Doroteia", e também  no filme  Os Sete Gatinhos, do Neville D´Almeida. Como foi trabalhar nesse universo  Rodrigueano e como foi conviver  com o Nelson Rodrigues?

SB: Depois eu vou entrar nos filmes, que foi tudo mais ou menos junto, mas eu quero falar agora da Valsa Número 6”. Na década de 80, eu estava vindo de muito sucesso nas novelas, e aí eu fui convidada para fazer a última peça escrita pelo Nelson Rodrigues. Antes eu fiz o Os Sete Gatinhos, o filme, e que foi também uma experiência incrível, porque o Nelson Rodrigues convivia com a gente no set. O filme foi dirigido pelo Neville de Almeida, a Thelma Reston fazia minha mãe, tinha a  Regina Casé, contemporânea, porque era do “Asdrúbal, trouxe o Trombone”, enfim, vários artistas. Foi incrível quando eu fui convidada pelo Marcos Flaxman, diretor de arte de  Os Sete Gatinhos, e queria dirigir no teatro “A Serpente”, a última peça do Nelson. Logo em seguida, a gente faz, estreamos, então mais uma vez o Nelson ali nas coxias. A convivência com o Nelson Rodrigues foi incrível, porque veio desde Os Sete Gatinhos até “A Serpente” no teatro. 

Naquele momento, o Luiz Antônio Martins Correia, com quem nós convivíamos lá no Tablado, nosso grupo de teatro experimental e na vida, sugeriu a Cláudia Gimenez, que estava encenando “A Ópera do Malandro”, escrita por ele junto com o Chico Buarque, e que dirigiu, e o João Carlos Mota, diretor do nosso grupo, fez assistência de direção. Então o Luiz Antônio Martins Correia sugeriu à Cláudia Gimenez que me procurasse, porque achava que ela tinha que fazer a “Valsa Número 6” . E aí Claudinha, que era minha aluna no Tablado também, aparece no teatro com um texto para conhecer o Nelson Rodrigues, nós iríamos pedir permissão a ele, já que ele tinha escrito a peça, inclusive, para uma irmã dele. O personagem era completamente diferente, a descrição do personagem era uma ninfeta, com um physique de rolle completamente diferente da Claudinha. E o Nelson Rodrigues, para nossa surpresa, e boa surpresa, achou muito interessante e nos autorizou. Aí eu comecei a dirigir, foi a minha primeira direção profissional, o  “Valsa Número 6”, com a Cláudia Gimenez. Infelizmente, alguns meses antes, acho que dois ou três meses antes, o Nelson falece e não pôde assistir a nossa montagem. 

Bom, essa experiência com o Nelson Rodrigues vai se estender posteriormente, quando eu faço “Doroteia”, dirigida pelo Carlos Augusto Strazzer. Ele era um ator esplêndido, e foi o último trabalho dele, ele veio a falecer de Aids depois, isso já no início dos anos 90. E depois de “Doroteia”, eu fiz “Anjo Negro”, durante a pandemia, dirigida pelo Antônio Kinné, e foi um trabalho híbrido, muito interessante. Então foram cinco Nelson Rodrigues assim na minha vida, em períodos distintos, fora esse início, que foi praticamente seguido, de três anos de Nelson Rodrigues na veia. Neste período em que eu estava ensaiando, encenando o Nelson Rodrigues, antes disso mesmo, eu já tinha lido a obra, todas as peças dele. Então, completamente encantada com essa maneira de falar sobre a classe média brasileira,  esse cronista  da vida urbana, a maneira de ele escrever, o poder de síntese, enfim, foi muito muito muito rico. Foi importantíssimo para mim, muito, muito importante, imagina, de Maria Clara Machado a Nelson Rodrigues, que foi fundamental na minha vida. Ter transitado, entre Maria Clara Machado e Nelson Rodrigues.  

Mas eu me sinto também muito assim, tem um aspecto muito lúdico do meu trabalho e de toda a minha formação, o humor dentro disso, e tem um lado mais tenso, denso, mais profundo. Então, acho que tem um sentido, eu estou falando isso na altura da minha vida, e com o olhar das coisas todas que eu percorri, que eu criei. 

Dando continuidade, durante o período que eu estive no Tablado , na década de 70, a gente estava vivendo um momento horrível de censura, de muita repressão, então dentro do Tablado eu encenei, fui dirigida pela Maria Clara Machado na maioria das peças do repertório infantil dela, como também do repertório adulto, era comum, na época, ter pelo menos uma montagem de uma peça para o público adulto. Então fizemos coisas muito interessantes. Como “O Dragão”, uma fábula que falava sobre o regime autoritário, era muito interessante, enfim e outros trabalhos.

Paralelamente, nós criamos um grupo experimental dirigido pelo João Carlos Mota, que foi um dos fundadores do "Asdrúbal Trouxe o Trombone". Então o primeiro trabalho com ele foi uma peça que foi censurada meia hora antes de estrear e que foi uma comoção dentro da classe artística. Porque as pessoas do meio artístico, já profissionais, que haviam passado pelo Tablado ou não, jornalistas e críticos que assistiam às montagens do Tablado, como, por exemplo, a Bárbara Heliodora, o pessoal do Teatro Ipanema, Rubens Correia, Ivan de Albuquerque, vários artistas plásticos, Ana Letícia, enfim, as pessoas todas assistiam às montagens. E essa peça, “Dependência de Empregada”, foi censurada meia hora antes e quem nos ajudou, inclusive, a liberar, com cortes, mas que ajudou a liberar, foi o Fernando Torres e o Fernando Peixoto, diretor e teórico do teatro e crítico. No dia seguinte, estávamos lá eu, João Carlos Mota, Xuxa Lopes. Nós éramos muito jovens tentando liberar a peça. Conseguimos, como eu falei, com cortes, e encenamos no Tablado, e depois no Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro. 

Em seguida fizemos outra peça, outro espetáculo chamado “Beco do Brecht”, muito interessante, com cinco peças inéditas do Bertolt Brecht e que teve a tradução do Luiz Antônio Martins Correia. Foi um espetáculo maravilhoso, todo expressionista, com cenografia desse grupo nosso, que, hoje, praticamente todos são profissionais.  E Guida Vianna, Louise Cardoso,  José Lavin. Foi também uma experiência maravilhosa. Então, a atividade naquele período era muito intensa, era teatro 24 horas por dia, porque lecionar era uma coisa que, já na época, eu falava muito, era uma forma de eu estar pensando o teatro diariamente, na medida em que eu não estava em uma Universidade com ensino formal, mas estava aprendendo todas as coisas lá do Tablado, participando das montagens de contrarregragem, da execução de figurino, de cenário, da trilha sonora, isso com profissionais sempre. A ficha técnica das peças da Maria Clara eram com profissionais renomados e os atores, a maioria quase todos eram amadores. Então, era uma escola de aprendizado incrível. Nesse período, eu estava sendo muito convidada para trabalhos profissionais e eu resisti muito porque eu achava que eu tinha que aprender e me inserir no mercado de trabalho de uma maneira mais segura e com mais conhecimento, com mais experiência. Então foi praticamente quase uma década nessa intensidade de trabalho. Mas eu iniciei mesmo com o cinema, o que foi espetacular porque é um ritmo muito mais calmo do que na televisão, mais artesanal. E  eu tive sorte, porque eu ingressei com diretores que vinham, em grande parte, do Cinema Novo. Então, por exemplo, um cenógrafo e figurinista, Anísio Medeiros, que também era professor na Universidade, era uma pessoa incrível. Eu participei de toda a etapa, ele me dava os croquis dos figurinos, conversávamos muito. Então, foi um trabalho em extensão do que eu vinha fazendo no teatro, com muito mais calma

MCB: Sua estreia em novelas já foi em papel de destaque,  como a Inês em “Dancin’ Days”. Foi difícil esse primeiro momento  na televisão  ou  foi um veículo no qual se adaptou facilmente?

SB: A minha entrada na televisão foi após os dois primeiros filmes. Como eu falei, os diretores e os atores profissionais iam nos assistir no Tablado. Então, numa dessas situações, o maravilhoso diretor e iluminador Ziembinski, que havia tido uma passagem pelo Tablado, me convida para fazer um caso especial dirigido pelo Sérgio Britto. Foi a minha estreia na televisão, junto com o Diogo Vilela, e nós contracenávamos com a Tereza Raquel, foi o “Marcha Fúnebre”. Logo em seguida, o Daniel Filho me convida para fazer “Dancin' Days”, em 1977. E aí foi uma coisa, um acontecimento incrível de mudança na minha vida, né, por tudo, pelo ritmo, pela novidade. “Dancin' Days” foi um marco na teledramaturgia, a novela de Gilberto Braga veio a mudar a linguagem das novelas. Isso havia acontecido anos antes, eu era criança e assistia “Beto Rockfeller”. “Dancin' Days” teve um impacto impressionante. Eu fazia parte do triângulo amoroso principal, que era com o Antônio Fagundes e com a Sônia Braga. A Sônia Braga, muito popular na época, sex symbol, porque ela havia feito A Dama do Lotação, enfim, já tinha feito também outras novelas, e muito sucesso 

E atores incríveis. Yara Amaral, minha mãe, com quem eu tive uma convivência diária, no estúdio e fora dele, nós estudávamos juntas diariamente. Foi uma experiência maravilhosa, muito rica, porque nós convivíamos fora do horário da gravação, íamos juntas para a televisão. Não existia o Projac ainda, então nós trabalhávamos em três lugares, dois estúdios diferentes, com uma distância grande, e nas cenas externas. A Yara Amaral estava vindo de São Paulo, mas já com o Prêmio Moliére,  com experiência em teatro e reconhecida. O meu avô era o Mário Lago, eu adorava conversar com ele, aprender, escutar, enfim. Um elenco incrível, a Glorinha Pires, a Lídia Brondi, o Eduardo Tornaghi, que era o meu par também, lá no início. 

Na época, a proporção de atores jovens era completamente diferente do que é hoje. Sei lá, mais do que 80% eram atores muito experimentados, muito profissionais, com um grupo pequeno de atores iniciantes, com experiência, mas com pouca idade, pouca vivência. E aí foi um estrondo absurdo, aquela coisa de não poder sair na rua, muita visibilidade, essa visibilidade na novela.

O Eduardo Tornaghi era meu amigo também no Tablado, da mesma época, ele tinha ingressado uns dois anos antes do que eu, mas ele era muito amigo dos meus irmãos, então, quando eu entrei no Tablado, ficou Sura, porque justamente ele e o Bernardo Jablonski, também um ator sensacional que já é falecido, começavam a me chamar de Sura.  Sura era um nome muito familiar. Os meus avós, os quatro avós são russos, daquela região da Ucrânia, Bessarábia, eles vieram para cá na década de 1920. Era costume na religião judaica, eu sou judia, ter um segundo nome em homenagem a algum parente que já morreu, então eu tenho Sura Silvia como nome de registro. Sura é o nome de uma tia-avó que já havia falecido, então ficou Sura o meu nome artístico.

MCB: Em seguida, você faz muito sucesso  nas novelas de Cassiano Gabus Mendes, "Marrom Glacê" e "Plumas e Paetês", na primeira contracenando inclusive com sua amiga e parceira de Tablado, Louise Cardoso. Poderia comentar sobre esses trabalhos?

SB: Na novela seguinte eu fiz “Marrom Glacê”, contraceno com a Louise Cardoso, tivemos a mesma formação,  trabalhamos o tempo inteiro juntas como professora, como atrizes, enfim, alunas da Maria Clara Machado. “Marrom Glacê”, do Cassiano Gabus Mendes, foi um outro sucesso. Isso também impulsionou uma procura pelo Tablado muito grande, eram filas na porta para as pessoas conseguirem se inscrever. Nós dávamos muitas entrevistas falando do Tablado, da nossa formação.

Depois de “Marrom Glacê”, fiz “Plumas e Paetês”, são novelas que estão sendo reprisadas agora em canais fechados. E aí, “Barriga de Aluguel”, “Selva de Pedra”, “Era Uma Vez”, que aí foi uma coisa mais nos anos 90. Enfim, várias novelas, muitos especiais, casos especiais, séries. Então, eu fiquei com uma visibilidade, conhecida, com o trabalho para um público muito grande com as novelas, mas continuei no Tablado. Eu acho que talvez tenha sido, da minha geração, uma das últimas  a continuar, continuei durante muitos anos, mas fazendo as peças da Maria Clara Machado. Então teve um ano que era uma loucura, porque eu fazia novela, uma dessas que eu estou falando, é “Dancin' Days”, e eu ia para o Tablado e fazia montagem sábado e domingo, duas sessões do “Patinho Feio”, uma montagem dela lindíssima, super profissional. Então, era assim, eu me desdobrava para poder fazer, porque eu ainda queria ficar ali e participar, porque para mim era a maior dramaturga de teatro infantil, e como mestra.

MCB: O curta Lisetta, dirigido por Luiz Paulino dos Santos, e adaptado de conto de Antônio de Alcântara Machado, foi sua estreia no cinema, não é isso? Como se deu a sua escalação para esse filme e como foi atuar no cinema pela primeira vez?

SB: O Lisetta, do Luiz Paulino (dos Santos), maravilhoso, um gentil homem e diretor. Foi todo filmado em Santa Teresa, foi uma delícia de fazer, também nesse ritmo mais calmo, mais tranquilo, e participando de todos os segmentos ali dentro do filme. Eu já vinha fazendo peças e trabalhos de época e esse era nos anos 20, do Antônio de Alcântara Machado. Então foi muito bacana porque eu fotografava bem nesse período, fiz ensaios fotográficos depois, então comecei a me identificar também com uma outra imagem, o que foi também muito importante. Eu fiz alguns trabalhos com a Thelma Heston, olha ela aí outra vez, como em Lisetta,  essa graça de filme. E depois, eu fiz “Terras do Sem Fim” com ela,  nos cruzamos em muitos momentos na vida.

MCB: Ajuricaba, o rebelde  da Amazônia,  dirigido por Oswaldo Caldeira, é  seu primeiro  longa. Gostaria que comentasse sobre esse trabalho.

SB: Bom, aí veio o Ajuricaba. A minha filmagem, a parte toda do meu personagem não foi na Amazônia, foi no Rio de Janeiro, mas eu participei do processo todo do filme, eu acho o filme belíssimo.

MCB: Coronel Delmiro Gouveia, do Geraldo Sarno, é  um filme importante.  Como foi atuar neste filme? E, se possível, poderia comentar sobre a atriz Isabel Ribeiro?

SB: O Coronel Delmiro Gouveia, do Geraldo Sarno, foi uma experiência maravilhosa e também diferente, porque eu fui para a Bahia, fiquei mais de dois meses em Cachoeira, em São Fidélis. Nós ficamos hospedados em Cachoeira e filmávamos no sertão da Bahia. No elenco tinha, além da Isabel Ribeiro, o Nildo Parente,  um ator que eu já conhecia de teatro, que foi muito importante no Teatro Ipanema, e que fez milhares de filmes. Então eu tive uma troca muito grande e muito importante. e com vários outros atores do casting do filme. Eu adoro esse filme porque ele me deu uma vivência humana e profissional muito grande, e de conviver num set fora da minha cidade, com pessoas dali. 

Me lembro que eu fazia aula de piano, a personagem tocava, então eu fiquei fazendo aula de piano com uma senhora que morava ali na cidade. Então essa convivência, quebrar a rotina da vida aqui e ir para uma outra situação foi incrível, mas o que eu adoro no filme é essa linguagem entre o documentário e a ficção, porque são quatro histórias. Eu adoro a linguagem do Delmiro Gouveia, eu gostava imensamente do trabalho e do Geraldo Sarno como diretor, como pessoa, e tudo que ele tinha trazido desde o Cinema Novo também, então foi uma experiência que eu aprendi muito. 

MCB: O filme Noites do Sertão é  uma das preciosidades do cinema mineiro e do cinema Brasileiro como um todo. Como foi atuar neste filme, ser dirigida pelo Carlos Alberto Prates Correia, e contracenar com Débora Bloch que, se não me engano, foi sua aluna no Tablado?

SB: O Noites do Sertão é com um cineasta também que eu tinha a maior admiração, o Carlos Alberto Prates (Correia), eu contracenava com a Débora Bloch, fazíamos irmãs. Foi também um outro filme de set de locação, mas aí eu ia e voltava. Era muito bacana, ficávamos numa fazenda enorme em Minas Gerais para poder fazer o filme, foi intenso e muito bom de fazer. Eu acho o filme lindíssimo, adoro. Tudo era maravilhoso, como foi composta a trilha. A gente tinha acesso a tudo, a feitura do filme, com os outros profissionais que estavam ali, todos juntos.

MCB: Em O Cavalinho Azul, do Eduardo Escorel, você  está  no seu universo  da Maria Clara Machado. Gostaria que comentasse  sobre esse filme.

SB:  O Cavalinho Azul, do Eduardo Escorel, que eu era amiga, e que me via também muito no Tablado. O Lauro Escorel tinha feito filmes que ele trabalhava, né? Um dia, o Eduardo me convida para adaptar a peça “O Cavalinho Azul”, da Maria Clara Machado. Na verdade, eu fui o personagem principal da peça, Vicente, e fiquei mais de um ano em cartaz. O Vicente e o Pluft são os personagens das peças mais incríveis da Maria Clara Machado. Eu não pude fazer o “Pluft”, tinha tido hepatite, e a Louise Cardoso fez magistralmente bem. Um dia, a Maria Clara falou assim: “Não fica triste, você vai ser o Vicente de “O Cavalinho Azul”. Foi uma maravilha,  foi muito, muito bacana fazer, ter sido dirigida por ela, nessa personagem. A Maria Clara costumava dizer que ela era muito Vicente, ela se sentia muito como o Vicente, esse menino sonhador, melancólico, e, ao mesmo tempo, muito convicto do caminho que ele queria, de encontrar o Cavalinho Azul dele, da vida dele. A peça é linda, poética, maravilhosa, então, quando o Eduardo Escorel me chamou, ele já tinha me visto fazendo no teatro, e nós começamos a trabalhar no roteiro, que fizemos juntos. Depois, ele me chama para fazer uma segunda assistência, o primeiro assistente foi o José Mariani, e eu fui também, só que  mais voltada para o elenco, uma segunda assistente, vamos dizer assim, hoje seria também preparadora de elenco, sei lá que nome dá. Eu estava ali e fiz uma personagem também no filme, um personagem pequeno. Foi um outro filme também em locação, e que aí eu ia e voltava. Nesse momento, foi incrível também, porque eu estava grávida da minha filha, da Natasha, meu neto se chama Vicente, enfim, foi uma virada, assim, na minha vida. Como eu era completamente Tabladiana, eu já estava também rascunhando ali livros para criança, mas ainda não tinha publicado, viria publicar logo depois. 

Foi incrível, porque eu conhecia todo o universo ali, a maioria dos atores que participou do filme vinha do Tablado, eram do Tablado. O Eduardo Escorel maravilhoso, como pessoa e como diretor, maior admiração por ele. 

MCB: Além de Noites do Sertão, você  tem mais atuações no cinema mineiro, no curta Musika, do Rafael Conde, e no longa O Vestido, do Paulo Thiago, sendo esse último seu retorno às telas depois de uma década. 

SB: Eu fiz outros trabalhos em cinema,  dessas coisas mais contemporâneas, mais recentes, teve O Vestido, do Paulo Thiago,  que foi uma experiência mais episódica, uma participação que foi muito bacana de fazer. Foi muito bacana também ter trabalhado com ele e reencontrar tantos amigos do cinema nesse filme. Fiz o Musika, um curta do Rafael Conde, também foi muito bacana, não tenho esse filme, se você conseguir, tiver e puder me dar.

MCB: Você  tem três livros infantis  publicados - "Amor de cão", "Um peixe fora d'água" e "Os olhos da cara". A literatura infantil  é  uma paixão?

SB: Nesse período em que eu estava fazendo Os Sete Gatinhos, já tinha um percurso grande no Tablado. Justamente quando eu estava dirigindo também “A Valsa Número 6”, eu comecei a me perceber muito voltada para a literatura infantil. Foi um caminho mais difícil, por um lado, porque, para mim, a Maria Clara Machado era uma figura exemplar na dramaturgia infantil. E aí eu comecei a escrever “Amor de Cão”, que, na verdade, foi quando eu estava fazendo “A Serpente”. E aí depois eu publico. Ele foi um livro todo feito com registros fotográficos de uma cadela que engravidou, e que, durante a gravidez e a gestação dos filhotinhos,  eu fiz com um fotógrafo de teatro na época e muitas coisas minhas, o Paulo Azevedo. A minha fada madrinha na literatura infantil não foi a Maria Clara Machado, foi a Ana Maria Machado, uma grande incentivadora. O “Amor de Cão” fez muito sucesso e foi adotado em escolas como uma leitura paralela. Ele foi também premiado nesses programas de Incentivo à Leitura do MEC, então eu percorri muitas cidades do Brasil autografando livros e dando palestras sobre dramaturgia, sobre literatura infantil e também sobre a minha trajetória, de uma certa maneira. Daí eu emendei com “O Peixe Fora d'Água”, os dois pela editora Nova Fronteira. Então foi um caminho em que eu já estava agora na literatura infantil, frequentava mesas e sessão de autógrafos com Ziraldo, Ruth Rocha, Silvio Orthof, enfim, esses mestres da literatura infantil naquele período, nos anos 80.

Depois eu escrevo “Os Olhos da Cara”, pela editora Record. Nesse período, logo depois, no início dos anos 80, eu adapto “Um Peixe Fora d'Água” para uma encenação, então eu retorno à dramaturgia infantil agora como autora e fazendo os meus trabalhos,  com trabalho pessoal, original. E aí eu enceno, muito diferente das montagens da Maria Clara Machado, mas, obviamente, com a essência de tudo que eu aprendi com ela ali no Tablado. Eu faço um musical, que na época não era comum, com uma produção muito grande e um elenco também de quarenta e poucas pessoas em cena. E com uma ficha técnica maravilhosa, iluminação do Jorginho de Carvalho, coreografia do Nelly Lapor, todos esses da ficha técnica também vindos do Tablado. Figurinos do Pedro Sayad, Flávia Leão Teixeira. Foi uma experiência. Músicas do Ubirajara Cabral, maravilhoso,  com quem eu tinha feito muitas peças lá no Tablado. E o elenco todo já meu, de alunos meus, no Teatro Villa-Lobos. 
Logo depois de “Um Peixe Fora d'Água”, eu comecei a adaptar “Peter Pan” do original em inglês. E aí foi um outro musical maravilhoso, com músicas do Edu Lobo, 58 atores, uma equipe também maravilhosa, que tinha feito “Um Peixe Fora d'Água”, e que foi acrescida de outras pessoas, como Edu Lobo, Maurício Maestro, Paulo César Pinheiro. Foi um espetáculo que ficou dois anos em cartaz, muito premiado, eu ganhei o Prêmio Molière com essa peça, então eu fiquei com uma marca muito voltada para um teatro infantil, autoral, de qualidade, muita qualidade.

Depois do “Peter Pan”, eu fiz um outro trabalho, uma outra peça de dois autores ingleses, que escreveram um livro para falar sobre DSTs e AIDS, “O Diário de um Adolescente Hipocondríaco”. Eu estava fazendo “Dorotéia” com o Carlos Augusto Strazzer, tinha perdido também amigos pela AIDS, e o Strazzer também. Eu senti uma urgência de escrever sobre isso, justamente para quem fosse entrar na vida sexual, pré-adolescente. E foi incrível também, muitos atores de 7 a 17 anos, a Tatá Werneck era desse elenco, e muitos outros que hoje estão fazendo teatro ou estão envolvidos com artes, de um modo geral, pessoas incríveis, hoje são todos meus amigos, esses elencos todos das peças infantis desse período. Novamente, foi um trabalho muito bem recebido e elogiado, então eu estava totalmente voltada para isso, eu não parei de trabalhar como atriz, mas a minha vida estava completa. Eu fiz novela, paralelamente, fiz peças de teatro, mas isso estava realmente em primeiro plano, porque eu fiquei 12 anos seguidos ali no Teatro Villa-Lobos, em Copacabana, com a minha escola de teatro, que tinham 300 alunos, e mais uma extensão na Barra da Tijuca, com mais 200 alunos, tinham 7 professores comigo, então tinha escola de teatro e tinha essas grandes produções. Foram 12 anos riquíssimos, que eu acho que foram os melhores anos, mais produtivos nesse sentido, de trabalho intenso, de muita criatividade. 

MCB: Para terminar, as duas últimas  perguntas  fixas do site. A primeira: qual o último  filme brasileiro  a que você assistiu?

SB: O último filme brasileiro a que eu assisti foi o filme do Waltinho (Ainda estou aqui, Walter Salles), eu vi o filme agora. Na semana passada, eu vi o do Ney Matogrosso (Homem com H, Esmir Filho), que eu amei, amei. Estou louca para ver esse filme do Kleber Mendonça (O Agente Secreto), eu sou apaixonada por esse diretor, eu queria  trabalhar com ele, acho que eu e todo mundo, ele é interessantíssimo. Quando eu vi O Som ao Redor, eu fiquei completamente impactada e curiosa por ele. Enfim, eu acho que foram esses dois últimos filmes brasileiros a que eu assisti. O do Ney com  o trabalho do ator (Jesuíta Barbosa)  tão maravilhoso, esse mimetismo com o Ney Matogrosso, com o corpo dele, com tudo, bárbaro.

MCB: Qual mulher do cinema brasileiro,  de qualquer  época  e de qualquer  área, você  deixa registrada na sua entrevista  como uma homenagem  e o porquê?

SB: Não tenho como não falar da Fernandinha Torres, não é? É absolutamente genial a interpretação dela. Ela foi minha aluna quando ela tinha 13 anos, no Tablado, e já era uma coisa incrível. Ela já era muito diferente da maioria dos colegas adolescentes, sabe? Ao mesmo tempo, muito misturada com todo mundo, eu acho ela brilhante. 

Bom, tem várias atrizes, eu acho que nós temos muitas atrizes, mulheres maravilhosas nas artes. Olha, eu citei lá em cima a Isabel Ribeiro, que não fez tantos filmes assim, mas era tão interessante de vê-la trabalhar, sabe? Uma interpretação de uma introspecção, uma elegância,  uma classe. Interessantíssima a Isabel Ribeiro, pena ela ter falecido cedo, era uma atriz pela qual eu tinha sempre uma enorme admiração, sabe, desde o Teatro Ipanema.
MCB: Muito obrigado pela entrevista.

 
Entrevista realizada por audios de Whatsapp, durante o período de 16 de janeiro e 23 de maio de 2025.
Foto: Acervo pessoal da atriz

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