Ano 20

Claudia Ribeiro

Se Minas Gerais é um dos berços do cinema brasileiro, onde despontou um cineasta da envergadura de Humberto Mauro, Belo Horizonte procura, a sua forma, dar andamento à tradição cinematográfica. Foi assim com a Revista de Cultura Cinematográfica, foi assim com o CEC, com o boom do vídeo, com os realizadores de curtas, e com a revelação de cineastas como Helvécio Ratton e Rafael Conde.

 Agora é a vez de mais duas cineastas, cada uma com longa trajetória no audiovisual, entre documentários, vídeos institucionais e programas educativos, mostrar o novíssimo rebento: o curta “Meninos da Zona Sul”. São elas as jornalistas Cláudia Ribeiro e Sílvia Godinho, diretoras e roteiristas desse filme, o único selecionado para o 6º Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte”,  também inscrito em festivais no Brasil e no exterior.

 Nessa entrevista ao Mulheres, em um dos cenários do filme, a Barragem de Santa Lúcia, as duas comemoravam a fresquíssima notícia de que “Meninos da Zona Sul”  foi selecionado para um festival na Grécia. O filme é inspirado em uma manchete policial do Estado de Minas, maior jornal de Minas Gerais, em que um garoto de 11 anos era alçado a condição de bandido perigoso e terror de um bairro de classe média alta de Belo Horizonte, o que acarretou repercussões desastrosas.

 As diretoras, que acabaram de se associarem na produtora chamada “Oficina de Criação”, fazem questão de afirmar que o filme partiu de um fato real, mas que é ficção. E que perseguiram o olhar infantil para contar a história, em contraponto ao tom da matéria. É sobre a trajetória individual de cada uma, a direção a quatro mãos, o fazer cinematográfico em Belo Horizonte e muitos outros assuntos, que Cláudia Ribeiro e Sílvia Godinho conversaram com o Mulheres.

 

Mulheres do Cinema Brasileiro: O site Mulheres do Cinema Brasileiro está aqui neste momento para registrar esse novo produto cultural, esse novo filme feito em Belo Horizonte, que é o “Meninos da Zona Sul”. Para chegar até esse filme, eu queria saber um pouco da trajetória individual de cada uma de vocês.

Cláudia Ribeiro: Ok. Dando um breve currículo histórico, eu sou jornalista, formada pela PUC, trabalhei como jornalista logo depois de formada, um tempo eu fui repórter na TV Bandeirantes, depois fui editora de jornalismo na Globo, até começar a trabalhar com vídeo. E aí comecei a me dedicar a documentários e programas educativos, fazendo roteiros em princípio, e depois de um tempo comecei a dirigir.E aí dirigi, durante uns três ou quatro anos, dois programas para a TV Futura, dois programas educativos, e continuei trabalhando com roteiro e direção como free-lancer. Parelamente a isso, em 1999, conhecei uma turma, Magda Coutinho e o pessoal do Corpo (grupo de dança), e a gente fundou uma Ong, a “Associação Querubins”, que é uma Ong que  trabalha a educação através da arte com 150 crianças e adolescentes da Vila Acaba Mundo, que é aquela favela no Sion. Esse é um trabalho voluntário e vem acontecendo paralelo em minha vida. E tem dois anos, não, um ano e meio, que eu fui convidada pelo Corpo para trabalhar como produtora executiva do Grupo Corpo. Aí,  agora, é o que eu estou fazendo, eu sou a produtora executiva do Grupo Corpo e o projeto é continuar na área de cinema e vídeo com esses projetos especiais, ou seja, projetos autorais.

 
Sílvia Godinho: Eu também sou formada em jornalismo, a gente se formou junto, que foi quando a gente se conheceu. Depois que eu me formei em 1992, eu trabalhei na Rede Minas durante seis anos, lá eu fiz um pouquinho de tudo,  quando eu sai eu estava dirigindo o programa Agenda. Paralelo a isso eu participei como assistente de direção de vários curtas, eu trabalhei muito com o João Vargas (cineasta mineiro). Ainda na escola tive minha primeira experiência com o cinema, onde dirigi dois curtas, em 16mm, duas adaptações, uma de Clarice Lispector, ”A Via Crucis do Corpo”, e a segunda, “A Doida”, do Carlos Drummond de Andrade. Em 1999 eu fui para a Inglaterra fazer pós-gradução, em direção e produção, na National Film and Television School . E quando voltei eu vim decidida a encarar o cinema como primeira opção. Trabalhei também como diretora e roteirista de documentários institucionais em Minas e também para o Governo da Bahia, com esse lado das crianças.
 

Mulheres: Então, quando eu comecei a falar, eu grifei sobre um filme feito aqui, porque eu queria que esse fosse o ponto de partida para a gente falar do “Meninos da Zona Sul”. Fazer cinema é muito difícil, e imagino que fazer cinema aqui em Belo Horizonte seja ainda mais, pois, apesar da efervescência da produção de curta, porque Belo Horizonte é identificado com essa questão dos curtas, dos vídeos,  foram muitas as dificuldades para fazer o “Meninos da Zona Sul”?

Sílvia Godinho: Foram muitas. Tanto que pra um curta-metragem, nós levamos três anos para realizar esse projeto. A gente escreveu no início de 2001, não foi?

Cláudia Ribeiro: É, eu fico pensando aqui assim, são muitas as dificuldades, mas é porque é também um aprendizado muito grande. Não é, Sílvia, porque você tinha até um pouco mais de experiência como assistente, mas nenhuma de nós duas tinha experimentado pegar o touro pelo chifre. Que é fazer tudo, escrever o roteiro, ir atrás das leis, saber quais as formas de captação de recursos, pesquisar onde você vai poder pensar em obter recursos para fazer seu filme. Aprender como fazer projeto para fazer isso, fazer os projetos, ver os projetos aprovados, aí aprender como captar, que é complicado, enfim, esse  aprendizado  a gente vivenciou em todo o processo desse filme, desde o roteiro até a fase de pós-produção. A gente tinha uma idéia de como se fazia as coisas, mas a hora em que você se propõe a fazer não adianta ter uma idéia, você tem que saber passo a passo como fazer.

Sílvia Godinho: Eu acho que é isso, eu vi como um aprendizado e não como uma dificuldade. A dificuldade foi lidar com um mercado que ainda está engatinhando, a política cultural aqui ainda é muito restrita para cinema, o empresariado ainda não tem essa visão de que o cinema pode ser um bom produto, um bom investimento. As dificuldades que a gente esperou ter, na verdade a gente não teve, que foi o fato de sermos duas mulheres, de estar enfrentando um mercado, basicamente, formado por homens. Mas eu acho que pela nossa trajetória, de já ter trabalhado com vídeo, de já conhecer bastante a equipe, as pessoas que se envolveram no projeto com a gente, não teve essa dificuldade, que foi um ponto positivo.

Mulheres: No material de divulgação do filme está citado que todo o elenco e a equipe técnica é mineira. Isso é um ato, é uma vontade mesmo, é uma escolha, inclusive, política, como reforço da indústria audiovisual local ou veio ao acaso?

Cláudia Ribeiro: Eu acho que existe, é legal isso ter acontecido, mas não era um objetivo, dizer “vamos fazer um filme só com”, porque isso cai num bairrismo que, enfim, eu não sou muito partidária desse tipo de política. Eu acho legal ter sido, mas não foi uma coisa proposital. O que aconteceu, a gente precisava de uma equipe enxuta, uma equipe legal, e a gente conseguiu achar essas pessoas perto, aqui do nosso lado. Então não tinha porque ir atrás de pessoas de fora. Mas se necessário fosse, eu acho que a gente iria sim, se a gente não tivesse aqui um diretor de fotografia que nos atendesse, a gente iria atrás de alguém. É legal, o importante é descobrir que aqui você tem pessoas capazes de realizar um projeto desse tipo.

Sílvia Godinho: Na verdade a gente citou esse ponto por isso, para mostrar para as pessoas que não é por falta de mão-de-obra, não é por falta de bons realizadores e não é por dificuldades de não estar no eixo Rio-São Paulo que a gente não faça, ou se faz pouco aqui. Mas é para provar, porque a gente ouve muito esse argumento de que tem que trazer de fora porque aqui não tem gente boa. E foi bom, porque foi mais barato, é óbvio, ficou mais em conta, e a gente não se arriscou em nenhum momento por causa disso. A gente trabalhou com pessoas em quem confiávamos plenamente, então, não foi problema em momento nenhum.

Mulheres: Quando eu falo, quando eu ressalto sobre esses profissionais e artistas envolvidos, eu não estou falando na questão do bairrismo, eu falo da visibilidade de um mercado que já existe.

Cláudia Ribeiro: Sim, sem dúvida, e era exatamente disso, quer dizer, como a gente já vinha trabalhando há muito tempo aqui, em Belo Horizonte, com os documentários, os programas educativos, então a gente conhece muitos atores e muitas atrizes daqui. Então escrevendo a gente já visualizava quem poderíamos chamar em função até de já ter trabalhado com determinadas pessoas e imaginar: “essa pessoa pode ser legal para esse papel”. Muitos papéis, na medida em que a gente escrevia, a gente já imaginava justamente por já conhecer e saber da competência da pessoa atuando.

Mulheres: Agora o fato de você duas serem jornalistas, o tema do filme, ele veio a partir da manchete de um jornal, o Estado de Minas, que é o veículo de maior circulação no Estado e referência mineira no país; como foi a descoberta desse tema, qual de vocês, ou quem chamou a atenção, como foi que bateu para vocês?

Sílvia Godinho: A Cláudia é que leu essa matéria, na época eu estava fora, essa matéria saiu em 2000, final de 2000, e a Cláudia leu e já ficou incomodada com essa matéria naquele tempo.

Cláudia Ribeiro: Eu me lembro que na época eu mostrei para uma amiga que trabalhava na “Visão Mundial”, e eu tinha comentado, onde que a coisa ficou muito contrasenso, porque dias antes dessa matéria, a criança em questão tinha ido ao Querubins, e eu tinha tido um episódio com ela lá muito especial. Porque ele apareceu, aprontou todas e depois falou que queria ir lá para desenhar; e aí fez um desenho super-infantil daquela coisa, casinha, sozinho e tal, e pediu para eu escrever “Do Washigton para minha mãe”. Aquela coisa super singela, super criança mesmo contraposta com aquela matéria do terror de um bairro. A hora que a gente  põe isso, uma coisa que eu quero reforçar muito, é que em nenhum momento a gente está querendo julgar ou criticar a sociedade ou o jornal. A gente não tem essa pretensão, eu gosto de falar, senão fica parecendo meio pretensioso a gente com um olhar, o que a gente queria mostrar é só que, como a gente teve a oportunidade de conhecer essa criança de um outro lado, a gente quer com o filme dar essa oportunidade de mais uma visão, de mais visões sobre uma mesma realidade.

Mulheres: Quando você fala dessas outras visões  é exatamente daí o ponto de partida do filme, não é? Das três visões – do jornal, do irmão do garoto, o Conga, e o do Cego -, é a partir daí, dessa preocupação, inclusive?

Sílvia Godinho: A gente está muito acostumado a receber as informações da mídia e aceita-las como verdade absoluta. É uma postura cômoda e é natural. O que a gente queria era que as pessoas pelo menos cogitassem outras formas de pensar sobre aquele assunto.

Cláudia Ribeiro: Porque quando a gente andava na praça, depois que saiu essa matéria, a gente andava ali na Praça JK, e aí a gente ficava ouvindo as pessoas conversando sobre aquela matéria de jornal. E foi se criando um mito, e isso foi uma das coisas que nos inspirou, porque nessa época a gente já tava pensando em escrever alguma coisa e ia atrás de como a gente ia construir a história. Então, muitas vezes a gente ia para a praça para ver o que acontecia ali para tirar nossa inspiração. E a gente ouviu diversas vezes, aquelas coisas, as pessoas caminhando e conversando, e a gente ia ouvindo os papos, aquela coisa de um contar para o outro que conta para o outro, o menino, que era um menino, foi virando um monstro desse tamanho.

Sílvia Godinho: E o mais curioso, ele tinha onze anos e tamanho de sete, porque pelas condições dele, provavelmente subnutrido, ele era muito pequenininho. Então era até ridículo essa visão que se criou em torno dele. E assim, quando a gente age dessa forma a gente também não pensa  no que isso gerou para aquela criança. Depois disso ele se sentiu um super-herói, do mal, um super-herói do mal. Assumiu, vestiu a camisa do “terrorzinho do Sion”.

Mulheres: Vocês partiram desse fato, o real é esse fato? O resto, tudo, os personagens, são signos, são criações do roteiro?

Cláudia: Sim. A essência é essa matéria, essa matéria existe, e o resto é ficção mesmo. Obviamente, muitas vezes é baseado em coisas que a gente via, a gente foi para a praça, ficava vendo os comentários das pessoas, e a partir dali a gente criava uma cena. Ou, situações que eu vivia no “Querubins”, e tal, ali inspirava alguma coisa. Mas é ficção, o filme é realmente uma ficção. E é uma coisa que a gente faz, inclusive, questão de enfatizar, que é ficção, não é documentário.

Sílvia Godinho: Toda ficção tem um fundo de verdade, quer dizer, toda criação é baseada na experiência de quem está criando. E a gente não podia se desligar dessas experiências que a gente já teve. Então assim, o que tem de real é basicamente a experiência de vida da gente. Mas as situações são todas fictícias. O garoto realmente tem um irmão, mas não é um irmão tão mais novo, esse olhar infantil, da criança inocente, foi a gente que criou justamente para contrapor, contrastar com essa visão que o jornal estava trazendo.

Mulheres: E o que foi feito do garoto?

Sílvia Godinho: A gente não sabe do paradeiro dele não.

Cláudia Ribeiro: Na vila tem essas brigas de gangue, então há cerca de um ano e meio, dois anos, ele saiu da vila e não mora mais lá. E a gente teve notícia, uns oito meses atrás, dele morando no centro da cidade. Mas uma coisa meio, porque ele já tinha uma trajetória complicada, então ele ia, ficava preso, e voltava, ficava preso, e voltava. Depois a gente perdeu o contato. Aí eu falo enquanto “ Associação Querubins”, que ele é um caso para a gente, que a gente fica meio triste, porque não tínhamos a estrutura suficiente para conseguir trazer ele de volta. Quando a gente o conheceu ele já estava nesse limite. E o “Querubins” estava começando, não tinha condições de ter um atendimento individualizado que ele precisaria. E acho que talvez o filme, pelo menos para mim, eu acho que a Sílvia também embarcou muito nessa, é meio essa sensação de aquele foi, mas a gente não quer que mais nenhum vá. Eu acho que o filme expressa um pouco isso, a nossa vontade de fazer com que as pessoas possam pensar essa realidade de outra forma.

Mulheres: Porque no filme, parece, dá a entender, que ele foi executado. Apesar de ter uma solução poética, vocês colocam uma fumaça,  meio que ele virando fumaça mesmo, parece, dá uma impressão de que ele desapareceu. Desapareceu em qualquer dos sentidos. Esse destino dele é meio...

Sílvia Godinho: Na realidade a gente não definiu isso. Essa é a primeira vez que eu vejo esse ponto de vista. Mas, de certa forma, é o destino das pessoas que optam por esse caminho, então se não foi agora, seria em outro momento da vida dele. O que a gente quis mostrar é que ele se desviou do caminho.

Cláudia Ribeiro: E a gente não sabe para onde ele  foi. Quer dizer, essa coisa da fumaça, da coisa que some, é meio o que aconteceu, a gente não sabe.

Mulheres: A Ana Carolina, uma cineasta que eu particularmente adoro, tem um filme,  que é o “Sonho de Valsa”, em que ela usa muitos lugares comuns, partindo de lugares comuns, no sentido literal do lugar comum, no caso para uma discussão do amor. Então “entrar pelo cano” é entrar pelo cano, “engolir sapo” é engolir sapo. No filme de vocês, vocês usam signos que já são muito decifráveis, como os personagens Patrícia e Mauricio, “patricinha e mauricinho”. A própria questão do cego, como vocês dizem, que ele não julga pela aparência, mas é uma visão também romantizada do cego. Isso é intencional, esses signos já decifráveis para ter uma identificação imediata com o público, ou não?

Sílvia Godinho: É, Eu acho que sim. Ao mesmo tempo que gente tentava ser muito sutil para não ter que abordar explicitamente essa questão da violência, porque nós achávamos que já estava suficientemente explicitada, a gente tentou trabalhar com referências que as pessoas já poderiam identificar para nos ajudar a contar essa história. Obviamente, a gente não teve muito medo desse lugar comum não, a gente foi questionada se não tinha um risco de ficar piegas ou de ser mal-interpretada. Na verdade,  a gente fez uma história para o público em geral, então as pessoas que porventura não tenha essas referências, elas acabam por entender a história.

Cláudia Ribeiro: Outra coisa que eu queria falar que é legal, é essa coisa da criação a quatro mãos. Tanto a criação, como a produção e a direção. Com duas leoninas, o que não é uma coisa muito fácil, né?, com duas jubas. Uma coisa muito legal que foi começar desse processo de criação que foi escrever o roteiro. Embora essas coisas, essas referências apareçam, e hoje depois do filme pronto, fica parecendo uma coisa super intencional, eu não identifico no processo de criação isso como uma coisa muito clara para a gente não. A gente ia meio criando, “então essa cena, ah legal, aí uma começava, a outra ia”. Então, embora hoje, na hora em que você vê o filme pronto, eu não acho que durante o processo dessa criação ele tenha sido tão pensado.

Sílvia Godinho: É, se você for pensar o cego, por exemplo, Tirésias já foi, pelo que ele representa, é uma metáfora do que não enxerga mas vê. Então a gente se utilizou dessas coisas como...

Cláudia Ribeiro: ... É, mas eu quero dizer, é que não era uma coisa muito pré-determinada, “vamos fazer um filme com”, quer dizer, quando você cita a Ana Carolina, que ela faz uma opção, eu acho que, eu não sei, pode até ser, mas eu ainda não consigo ver uma coisa como um partido assumido nosso. Talvez, depois que a gente fizer o segundo filme, se continuar, a gente pode dizer que sim, mas como é só um, por enquanto, acho que foi um, saiu assim.

Mulheres: Essa direção a quatro mãos. Você, inclusive, já falou um pouco sobre ela, a união de duas leoninas. Foi uma experiência, desse curta, que deságua em outras ou é um casamento já com data de fim?

Sílvia Godinho: Na verdade,  a gente tem, inclusive, uma empresa juntas. A empresa era da Cláudia e ela me convidou para entrar, e formalizar essa sociedade, seria o nosso casamento oficial, que é a “Oficina de Criação”, que produziu o filme. Durante o filme foi um grande aprendizado, porque apesar de sermos duas leoninas a gente tem pontos de vistas bastante diferentes. A gente discutia, a gente sofria muito, porque tinha uma idéia, e o tempo todo era tentar convencer a outra de que sua idéia era boa. Não por ego, acho que nem foi por isso não, mas foi pelo bem da história. E eu acho que a gente conseguiu chegar num consenso e conseguiu descobrir uma forma muito legal de trabalhar.

Cláudia Ribeiro: É, não que eu ache que eu tenha, eu me considero uma diretora ainda muito iniciante para dizer que tenho uma cara, que eu tenho uma marca. Mas eu não acho que o filme tenha a minha cara ou a cara da Sílvia, sabe, é bem claro que ali tem a cara das duas. Porque era um pouco isso, a gente tem duas visões muitas vezes muito diferentes mesmo e aí eu falava, e se o dia não estava bom,  a gente começava a brigar, mas depois ela repensava, então foi muito legal. E eu acho que na realidade, é isso o que ela falou, quer dizer, depois do filme a gente oficializou o casamento, nos tornando sócias oficialmente na empresa e a idéia é continuar juntas sim. Porque para mim, eu tenho muito claro, que se não tivesse com ela, eu não teria feito o filme.

Sílvia Godinho: E vice-versa. Com certeza é o primeiro de uma série, a gente já tem outros projetos, pensando em novas histórias.

Mulheres: Curta-metragem, esse formato, ele tem algumas possibilidades, cada realizador vê de uma forma: ele pode ser laboratório para um longa, ele pode ser para pesquisar linguagem, ele pode ser formato de identificação mesmo, ele pode ser espaço para uma idéia concisa. Para vocês como é? Porque no filme, eu vejo mais as duas últimas possibilidades, eu não vejo muito a preocupação de pesquisa de linguagem e não vejo também laboratório para um longa. Me pareceu que vocês tinha um idéia muito concisa e que o formato era ideal, e também com uma identificação com o curta-metragem. É isso ou eu estou errado?

Sílvia Godinho: Aí vem um pouco do estágio que a gente estava. Em nenhum momento  pensamos em fazer esse curta já pensando em como seria um longa, ou pensando em exercício de linguagem. A gente queria contar aquela história e queria aproveitar a experiência que já tinhamos. Eu acho que a partir de agora é que a gente pode pensar nisso.

Cláudia Ribeiro: É, que a gente pode pensar em colocar isso em alguma dessas opções que você falou. Porque na realidade, é nosso primeiro, a gente nunca tinha feito, sabe, então é isso que a Sílvia falou, é fazer, tem essa história, é legal, ah, então vamos contar. Ela ficou o que deu para ficar, o roteiro deu isso, por acaso se encaixa dentro de um formato de um curta, entendeu, o processo, eu acho que é meio o inverso. Talvez a partir de agora, desse primeiro,  a gente possa até traçar uma linha. Mas eu acho que por característica também de uma forma geral a nossa preocupação é mais talvez com a história, pelo menos a minha, acho que talvez a Sílvia até um pouco mais, mas a pesquisa de linguagem, eu não me encaixo nisso.

Sílvia Godinho: Inclusive a gente optou por uma linguagem bastante clássica, tudo que foge no filme é para favorecer o olhar da criança. Seria um pouco aqueles ângulos um pouco diferentes, muito para expressar um pouquinho o ponto de vista da criança. Mas nós, na verdade, optamos por uma linguagem que é a linguagem acadêmica, clássica, que cada dia está mais perdida, na verdade.

Cláudia Ribeiro: Como a gente já trabalhava com vídeo e televisão, onde pode tudo, é muito fácil você ter efeitos e trocentas coisas. Existia para mim um desejo muito grande de poder fazer uma coisa clean, simples, sabe, então se você repara, o filme não tem nenhuma fusão, ele é todo em corte seco, que parece simples mas na realidade ele não é. Assim que a gente juntou os pedacinhos, como diz o Caio, depois de tudo filmado, revelado, telecinado e foi montar, e a gente viu que os cortes funcionavam, a gente respirou tão aliviado. Porque é uma coisa meio difícil, que a gente foi fazendo na linha do bom senso, do vamos, e foi muito legal ver que ele funciona todo em corte seco, sem ter efeitos, sem nada, e isso sim, foi um partido assumido pela simplicidade dessa linguagem do cinema.

Sílvia Godinho: É claro que a gente teve, a gente preocupou em fazer com que essas seqüências tivessem uma lógica, e que a imagem por si só conseguisse contar uma história. Então, inconscientemente, porque a gente não calculou isso, a gente usou a idéia lá dos russos, um corte depois do outro conta uma história, uma cena sozinha não conta uma história. Então foi um pouco isso, a junção das cenas é que cortava na verdade. Por exemplo, na cena em que o pião é deixado em cima da mesa, o pião está em primeiro plano para depois a gente ver ele trocando, entender a história, que ele trocou aquele pião por um telefone. Não teve uma pesquisa de linguagem, mas teve essa  preocupação que a história estivesse bem contada através das imagens.

Mulheres: O Mulheres do Cinema Brasileiro, ele não quer ser, ele não é um gueto, ele é de mapeamento mesmo, é uma abordagem histórica. Na história do cinema brasileiro, todo mundo, por exemplo,  conhece Humberto Mauro, que é talvez nosso maior cineasta. No entanto, próximo ao seu início, lá estava a Carmen Santos, uma atriz e produtora muito importante do Cinema Nacional, que teve uma produtora, a “Brasil Vita Films”, e que nem todo mundo conhece. Os pesquisadores conhecem, mas o grande público não. Vocês têm esse olhar para a história do cinema brasileiro, tem alguma diretora, roteirista, que vocês tenham como referência? Não que seja para o trabalho, mas que vocês gostem?

Sílvia Godinho: Atualmente, nessa nova geração, tem uma diretora que eu sou fã de carteirinha, que é a Laís Bodanzky. Inclusive, o primeiro curta dela tem até a ver com a nossa história, que é o “Cartão Vermelho”, de crianças também, nesse sentido. Bom, são várias, tem a Tata Amaral, que eu acho fabulosa. A Tizuka Yamasaki, mais pela tradição do que pelo resultado do trabalho dela.

Cláudia Ribeiro: Eu estou lembrando aqui da Helena Solberg, de “Banana is My Business”, e que agora está lançando “Minha Vida de Menina”. Também é uma mulher muito forte, eu gosto muito do trabalho dela.

Mulheres: E qual o filme da produção atual do cinema brasileiro que vocês gostaram?

Sílvia Godinho: Um que adoro e que não pegou muito foi o “Lavoura Arcaica” (Luiz Fernando Carvalho), eu acho um primor de produção, de linguagem, de cuidado, de trabalho de ator, de trabalho de equipe.

Cláudia Ribeiro: Deixa eu pensar aqui, saindo dos lugares comuns, “Bicho de Sete Cabeças”  (Laís Bodanzky), “Cidade de Deus” (Fernando Meirelles), são coisas que a gente tem que fazer amém mesmo.

Sílvia Godinho: “ Amarelo Manga” (Claudio Assis) eu também acho genial.

Cláudia Ribeiro: Aquele de só montagem, o do Masagão (Marcelo), “Nós Que Aqui Estamos Por Vós Esperamos”.

Mulheres: E vocês falaram de novos projetos, eles já podem ser divulgados?

Sílvia Godinho: Tem um documentário sobre...

Cláudia Ribeiro: Na realidade a gente, não tá ainda. A gente fica conversando, e então tem hora que a gente pensa “será que a gente vai dar continuidade a essa linha que a gente começou, trabalhar com criança, trabalhar com essa realidade que querendo ou não a gente está meio ligada”. Aí a Sílvia tem uma idéia de documentário...

Sílvia Godinho: Tem a proposta de fazer um documentário sobre Montalvânia, que é uma cidade do norte de Minas com uma história bastante peculiar.

Cláudia Ribeiro: Que aí seria uma outra coisa, completamente diferente. Na verdade a gente ainda não tem, a gente centrou todas as forças até o momento para colocar esse filhinho no mundo. E agora que ele está no mundo, tem que ir com as pernas próprias, e aí é que a gente vai começar bater bola. E tem que ter alguma coisa que pega aqui dentro, que diz é esse, embora a gente já tenha levantado uma série, a gente ainda não sentiu o que pega.

Mulheres: E o assunto polêmico, você querem falar, que é sobre a questão do “Meninos da Zona Sul” ser o único curta no “6º Festival Internacional de Curtas de Belo Horizonte”. Porque esse assunto já está dando pano pra manga. Como vocês são as realizadoras, você querem falar sobre isso?

Sílvia Godinho: Na verdade, eu achei até bom no fundo, porque a gente ficou bem longe da polêmica, eu vim a saber dessa polêmica um pouco tarde demais. A Cláudia nem estava aqui.

Cláudia Ribeiro: É, a Sílvia é que foi me falar depois. E eu disse, que bom que a gente não está sabendo disso, que bom que fomos selecionadas. Mas eu não conheço os filmes que foram inscritos, os outros filmes mineiros que foram inscritos. Então assim, para mim eu acho difícil até dar algum tipo de opinião a respeito. Fico feliz da gente não ter entrado nessa discussão.

Sílvia Godinho: E se for olhar estatisticamente não foi um resultado tão absurdo, porque eu me lembro que foram seis ou sete mineiros inscritos, entre trezentos do mundo inteiro, entre cento e tantos brasileiros. Então se você for pegar proporcionalmente não é tão absurdo. Agora, seria melhor a gente ter mais representatividade, obviamente, isso traria mais benefícios para a imagem de Belo Horizonte, para o mercado. Mas no fundo retrata uma realidade do nosso mercado. Eu não conheço nenhum dos outros filmes inscritos, não cabe a nós julgar, se foi correto ou não, se eles deveriam entrar ou não.

Cláudia Ribeiro: A gente ficou feliz do nosso ter entrado.

Mulheres: Mesmo porque a polêmica não é contra vocês, é contra a comissão.

Sílvia Godinho: Agora, eu acho que é uma situação natural. A resposta veio naturalmente, um dos filmes que foi recusado pelo Festival foi selecionado em Gramado. É natural, ao invés de ficar criando essa polêmica deviam fazer um esforço grande para que sejam produzidos mais curtas.

Mulheres: E depois do lançamento e do Festival, o “Meninos da Zona Sul” vai indo longe, não é?

Sílvia Godinho: São Paulo e Bahia, na Jornada da Bahia e na Mostra Internacional de São Paulo.

Cláudia Ribeiro: Por enquanto. Porque na realidade a gente vai inscrevendo. O que acontece é que nós ainda não temos cópias suficientes do filme, então a gente tem que fazer meio que uma matemática, uma estratégia, onde é que dá para a gente pode inscrever e que não vá bater com outro festival. Então, nos próximos dois meses, a gente priorizou Bahia e São Paulo, que a gente se inscreveu, mas ainda não teve resposta, e no exterior a gente se inscreveu no Festival da Grécia, na Alemanha e na Suécia.

Sílvia Godinho: E na Espanha.

Cláudia Ribeiro: E tivemos hoje a resposta da Grécia, que ele foi selecionado.

Sílvia Godinho: No Festival de Drama, no Festival Internacional de Curta-metragem de Drama

Mulheres: Para finalizar um depoimento pessoal. Vocês duas, a Sílvia com o trabalho no Agenda e a Cláudia com as produções para o Futura;  vocês trabalharam em algumas coisas do que de melhor já foram feitas por aqui. Eu, particularmente, acompanho já há algum tempo, então quero saudar a chegada de você duas ao cinema e desejar vida longa a esse casamento.

Sílvia Godinho: Obrigada, orgulho maior é o nosso de estar em um site junto com tantas estrelas.

Cláudia Ribeiro: Muitíssimo obrigada, que delícia, parabéns para esse site também, por essa iniciativa.

Mulheres: Obrigado.  

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.