Ano 20

Liliane Rovaris

Liliane Rovaris é uma atriz de grande talento. Com formação artística que passa pela CAL, pelo CPT e pela UNI RIO, vem construindo carreira de destaque no teatro, com atuação em companhias como cia as duas, Cia das Inutilezas e AREAS Coletivo, e em espetáculos como NADA, uma peça para Manoel de Barros. "Sim, iniciei no teatro e sempre busquei uma forma de trabalho que pudesse ser coletiva".

A estreia no cinema se dá atuando em curtas de formandos, como  Pai empresta a câmera, dirigido por Cláudia Elias, faz uma ponta no belo Indicios dois, de Dannon Lacerda, e segue no mesmo formato, como no destaque Destinos, da Clara Deak. "Foi um presente, ali estava ao lado de Analu Prestes, uma musa para mim. Susana tinha a ameaça de uma doença que poderia afastá-la de sua arte...foi um trabalho de pesquisa intensa sobre o mal de Parkinson, como afeta as pessoas mais jovens. Também foi aí, através da direção da Clara, que percebi coisas importantes na atuação.  Era muito delicada sua direção e, por exemplo, na cena que vejo na TV que o avião em que deveria estar caiu, investigamos um gesto que pudesse traduzir isso com cuidado, para que não ficasse exagerado e no final foi um gesto tão simples e preciso".

Liliane Rovaris estreia em longas em grande estilo e já como protagonista do belo O cerco (2021), dirigido por Aurélio Aragão, Gustavo Bragança e Rafael Spínola. "Foi através da cia das inutilezas que conheci Aurélio, irmão do Emanuel e um dos diretores de O cerco. Então foi pelo teatro também que cheguei Ao Cerco"O cerco é filme labiríntico de grande impacto, com roteiro caudaloso de imbricações sofisticadas e direção acertada. Liliane embute sutilezas e rigor em sua interpretação, que vai de expressões e gestos a todo um emaranhado corporal. É uma interpretação moderna, que não se vale em nenhum momento de recursos manjados. Atuação digna de prêmios." Assim o filme,  que não tinha financiamento, é resultado de um encontro de pessoas que estavam buscando inventar outros mundos possíveis a partir de seus questionamentos. Então, apesar dos três serem roteiristas de profissão, em O cerco, não havia roteiro, havia proposições para improvisos. Tínhamos também a regra de ser apenas um take, como dispositivo. Tentamos seguir ao máximo isso. Creio que esse modo de fazer gerava um ambiente de investigação e risco que traduzia muito o que nos movia. "

Liliane Rovaris participa da programação da Mostra Tiradentes SP 2021 com debate e também com a exibição de O cerco. A atriz conversou por email com o Mulheres do Cinema Brasileiro e repassou sua trajetória, a formação, o trabalhos nos palcos, a estreia no cinema, O cerco, e muito mais.


Mulheres do Cinema Brasileiro: Seu nome, cidade em que nasceu, data de nascimento completa, se possível, e formação.

Liliane Rovaris: Liliane Lyon Rovaris. Nasci em Bragança Paulista (SP), no dia 22 de maior de 1976. Me formei na CAL- RJ, e no CPT com Antunes Filho. Acabei de terminar um mestrado na UNI RIO sobre alguns elementos da obra de Dostoiévski e também do cineasta Andrei Tarkovski que podem colaborar para o trabalho do ator.

MCB: Você começou a carreira no teatro, não é isso? E já foi dirigida por grandes nomes, como Antunes Filho, Gerald Thomas e Miwa Yanagizawa. Gostaria que comentasse sobre o trabalho nos palcos e sobre alguns marcantes para você, assim como a fundação do Areas Coletivo.

LR: Sim, iniciei no teatro e sempre busquei uma forma de trabalho que pudesse ser coletiva. A peça de formatura na CAL foi com o Gerald Thomas, e ali, durante os ensaios, pude ter muito contato com a Bete Coelho e com o Luiz Damasceno, grandes atores, que acompanhavam o Gerald na época e com quem aprendi muito. Em seguida, eu e a atriz Luisa Friese, formamos uma cia, chamada cia as duas, realizamos cinco trabalhos juntas. Quando fui estudar com Antunes Filho, peguei a época em que ele investigava o “Pret a Porter” , que eram cenas que fingiam um naturalismo, com dramaturgia criada pelos atores, mas que evidenciava a importância da formação e da técnica para o ator. Isso e a imensidão de livros que iam desde física quântica, zen budismo até retórica, e conversas que surgiam dessas leituras, são até hoje fundamentais para seguir. Quando retornei ao Rio, havia um movimento muito forte de criação de coletivos, isso em 2002, e em uma residência do diretor  da cia autônomo, Jefferson Miranda, conheci o Emanuel Aragão, diretor da Cia das inutilezas, ao qual me tornei integrante. A cia das inutilezas foi muito importante para me aproximar de uma linguagem próxima ao documental, com trabalhos inspirados em Eduardo Coutinho, fazia parte de nossos espetáculos essa linha tênue entre realidade e ficção. Paramos devido a outros trabalhos por um período e estamos ensaiando uma volta para quando for possível estarmos juntos no teatro.

Foi através da cia das inutilezas que conheci Aurélio, irmão do Emanuel e um dos diretores de O cerco. Então foi pelo teatro também que cheguei Ao Cerco

Em 2011, a Miwa e a Maria Silvia Siqueira Campos me chamaram para fazer a assistência de BREU, e, desde então, formamos o AREAS Coletivo. Em 2012, fiz a peça “ NADA, uma peça para Manoel de Barros” com direção dos irmãos Guimarães e da Miwa Yanagizawa. Foi um marco. Desde então tenho trabalhado ao lado de Adriano Guimarães como atriz e assistente,  e foi nessa peça que eu e Miwa, conhecemos a Camila Márdila, que se juntou a nós no AREAS. O AREAS tem uma frente muito importante de trabalho, que é a oficina para atores “A Escuta”.

A Escuta perpassa por diferentes espaços e experiências artísticas à procura de estabelecer relações inauguradas pelos afetos.  É partir da ideia de que o trabalho de atores-criadores se dá em trânsito e diálogo ininterrupto com o outro (o outro em si, o outro em cena, o público, a luz, o espaço, os objetos, o texto), que enveredamos nessa busca pela escuta como prática de coexistência. Os processos que deram origem e seguem dando sentido ao Areas Coletivo são de natureza colaborativa e horizontal, não só em sua organização interna quanto em suas proposições cênicas. Isso tem sido um grande aprendizado para pensar também o cinema.


MCB: Como se deu sua estreia no cinema? 

LR: Foi com o curta pai empresta a câmera, dirigido por Cláudia Elias, que na época era recém formada.

MCB: Você faz uma ponta em um curta lindo, que é o Indicios dois, do Dannon Lacerda. Foi seu primeiro filme? 

LR: Não, antes tinha feito alguns para diretores que estavam se formando. O Indícios veio de um grupo de estudos que Dannon propôs para estudar cenas e desenvolvimentos de narrativas a partir dos atores. 

MCB: Destinos, da Clara Deak, é outro curta seu. Você poderia comentar sobre esse filme e sua personagem Susana? 

LR: Foi um presente, ali estava ao lado de Analu Prestes, uma musa para mim. Susana tinha a ameaça de uma doença que poderia afastá-la de sua arte...foi um trabalho de pesquisa intensa sobre o mal de Parkinson, como afeta as pessoas mais jovens. Também foi aí, através da direção da Clara, que percebi coisas importantes na atuação.  Era muito delicada sua direção e, por exemplo, na cena que vejo na TV que o avião em que deveria estar caiu, investigamos um gesto que pudesse traduzir isso com cuidado, para que não ficasse exagerado e no final foi um gesto tão simples e preciso.

MCB: Poderia também comentar sobre outros curtas em que atuou?

LR:  Foram poucos, adoraria que tivessem mais...mas minha maior proximidade com o cinema é através da admiração que tenho por alguns artistas. Estudo e me inspiro muito em cineastas como Chantal Akerman, Wim Wenders, Irmãos Dardenne, Andre Novais, Adirley Queiroz, Susana Amaral, Agnes Varda, Lucrecia Martel, Cassavetes, e, claro, Tarkovski, que escreveu "Esculpir o tempo", um livro que me acompanha muito. Como dou aulas na AIC de direção de atores, também vou aprendendo muito com os alunos.

MCB: O cerco,  de Aurélio Aragão, Gustavo Bragança e Rafael Spínola, é seu primeiro longa? Como foram as filmagens?

LR: Sim, foi meu primeiro longa. As filmagens aconteceram entre 2015 e 2016, sendo que o filme já vinha sendo pensado desde 2013 a partir das inquietações dos três diretores, que foram convidando outras pessoas para estarem junto. Assim o filme,  que não tinha financiamento, é resultado de um encontro de pessoas que estavam buscando inventar outros mundos possíveis a partir de seus questionamentos. Então, apesar dos três serem roteiristas de profissão, em O cerco, não havia roteiro, havia proposições para improvisos. Tínhamos também a regra de ser apenas um take, como dispositivo. Tentamos seguir ao máximo isso. Creio que esse modo de fazer gerava um ambiente de investigação e risco que traduzia muito o que nos movia. 

MCB: O cerco é um filme muito impressionante, e a grande força dele, além de outros grandes méritos, é a sua personagem e a sua interpretação, que achei muito moderna, em que técnica e emoção estão perfeitas, assim como todo seu trabalho de corpo e gestual. Acho sua atuação digna de prêmio de Melhor Atriz, como é o caso da Clarissa Kiste, de A mesma parte de um homem, da Ana Johann, também exibido na Mostra de Cinema de Tiradentes. O que você acha do filme? 

LR: Muito obrigada. Eu consegui assistir um trechinho de A mesma parte de um homem, pois estava viajando a trabalho, em um local com uma internet bem instável. O pouco que vi me chamou atenção para a construção da sua personagem, e  a intensidade com que ela enfrentou todas aquelas situações. Quero muito assistir ainda, sei que é um filme corajoso da Ana Joahn e que as questões trazidas por ele irão me fazer rever inclusive algumas padrões que trago em mim. 

MCB: Sua personagem, a protagonista Ana, é, ao mesmo tempo, frágil e forte, tem o medo estampado na cara e no corpo, mas é também corajosa. É angustiada, mas também não esmorece. Enfim, é uma personagem rica e complexa, e que você faz admiravelmente bem. Como foi interpretá-la?

LR: Obrigada! Bem, o filme tinha uma linha tênue entre documentário e ficção, alguns questionamentos e crises minhas, que os diretores conheciam, eram levadas ara as situações de improvisos, então muito foi sendo desenvolvido a partir desse encontro, entre os diretores, eu e como eu lidava com as provocações que eles traziam. Muitas vezes não sabia o que o outro ator iria dizer ou propor. Mas claro, ainda que fosse a partir de mim, muitas vezes era invenção. Me lembro sempre da frase do Manoel de Barros , “tudo que não invento é falso”.  

MCB: E a televisão? É um veículo no qual você tem interesse?

LR:  Sim. Admiro muito quem faz bem e tenho interesse nessa linguagem. 

MCB: Para terminar, as duas únicas perguntas fixas do site. A primeira: qual o último filme brasileiro a que assistiu? 

LR: Revi ontem Ela volta na quinta (de André Novais de Oliveira) que sempre me inspira. E também o filme Eu, empresa, do Marcus Curvelo.

MCB: Qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você homenageia nessa sua entrevista e o porquê?

LR: Camila Márdila, como atriz admiro muito desde antes do filme Que horas ela volta? Sua atuação nunca vai pelo caminho óbvio. No filme da Anna Muylaert, sua personagem Jéssica tornou-se emblemática, como uma esperança de mudança. Além de tudo acompanho de perto, vejo no dia a dia muito estudo, muitas tentativas e muita ética. Uma grande amiga, parceira de coletivo, de cena e de vida

MCB: Muito obrigado pela entrevista.


Entrevista realizada por email entre os dias 20 e 24 de março de 2021.
A atriz Liliane Rovaris está presente na programação da  Mostra Tiradentes SP 2021, realizada de 18 a 24 de março, em debate e na exibição do longa O cerco,  de Aurélio Aragão, Gustavo Bragança e Rafael Spínola, como a protagonista.
Crédito da foto: Ana Alexandrino

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