Ano 20

Arlete Montenegro

Veterana, Arlete Montenegro é uma das atrizes brasileiras mais importantes da televisão. Nascida em São Paulo, em 15 de outubro de 1938, ela começou a carreira artística na Rádio São Paulo, estreando em radionovelas em “Silêncio”, em 1954. Dona de belíssima voz, Arlete Montenegro desenvolve trajetória importante também como dubladora, e entre seus trabalhos nessa área está Orfeu do Carnaval, de Marcel Camus. Em 1955, estreia na televisão no teleteatro “O Corcunda de Notre Dame”, e em novelas no ano seguinte em “Alguém fechou os olhos de Lucy”, na Record. A partir daí atua em várias emissoras: Excelsior, Tupi, Bandeirantes, TV Cultura, SBT, Globo, Rede Vida.

Arlete Montenegro estreia no cinema em O Conto do Vigário (1967), de Kleber Afonso. A atriz desenvolve carreira importante na Boca do Lixo, atuando em filmes de José Miziara, Ody Fraga, Geraldo Vietri, Antônio Meliande, John Herbert e Juan Bajon. Nas telas, tem grandes personagens, como uma prostituta veterana de um bordel em Palácio de Vênus (1980), de Ody Fraga, e em Sexo, sua única arma (1981), de Geraldo Vietri.”O Palácio virou cult, né?”, assinala Arlete.

Com Geraldo Vietri, Arlete Montenegro fez novelas e também cinema, sendo nas telas o belo filme Sexo, sua única arma. “Era a história da vingança dela (personagem de Selma Egrei), ela se fingia de cega. Era bonito, a gente filmou aqui perto, onde se faz muito vinho licoroso”.

Arlete Montenegro concedeu entrevista exclusiva para o Mulheres do Cinema Brasileiro  por telefone de sua casa em São Paulo, fala de sua parceria com Geraldo Vietri na televisão e no cinema, de Alfredo Sternheim, dos seus filmes e de colegas  - trechos da entrevista sobre Geraldo Vietri e Alfredo Sternheim foram usados para a revista Zingu


Mulheres do Cinema Brasileiro: Arlete, você tem uma carreira importante na televisão, com passagem por várias emissoras e em várias novelas, e também no cinema. Uma parceria sua que uniu essas duas áreas foi com o Geraldo Vietri. Gostaria que você falasse sobre ele.

Arlete Montenegro: Nossa, que saudade! Geraldo, fiz Tanta novela interessante dele. Ele era um homem tão diferente… Porque ele era uma pessoa que fazia tudo, sabia? Ele não só escrevia como dirigia e editava a novela que ele fazia. Ele não deixava ninguém se meter na história dele.

MCB: O que é bem diferente de hoje em dia.

AM: Hoje em dia o autor tem vários colaboradores. Ele nunca teve. Aliás, na Tupi, eu acho que ninguém tinha. Isso foi uma coisa que veio com a Globo, que aconteceu na Globo. Era tão engraçado, quer dizer, engraçado não. Mas porque sempre lá no meio da novela ele ficava doente. Porque era muito trabalho, né? Ele ficava estressado, ia parar no hospital.

MCB: Mesmo?

AM: E aí sabe o que acontecia? Colocavam alguém para dirigir a novela. Ele era proibido pelos médicos de dirigir, ele só escrevia, no hospital mesmo. Então eles iam buscar os capítulos lá. Depois, quando ele voltava para casa, os médicos proibiram ainda de dirigir durante um mês. Nem editar, só escrever.

Você sabe que então ele ficava na porta do estúdio? E quando a gente saia, depois de ter gravado alguma cena importante, ele estava lá? E aí ele perguntava: “Arlete, me diga uma coisa, como é que você fez a cena? Como é que ele dirigiu essa cena? Não é por nada não, eu sei que ele pode fazer mil vezes melhor do que eu. Mas doeu, sabe…”  Ele dizia assim tão triste, ele era assim.

MCB: Entrega total, né?

AM: Aquilo era a vida dele, era impressionante a dedicação dele ao trabalho. E as novelas eram belíssimas, até hoje é o autor que mais soube escrever sobre o cotidiano.

MCB: Ele era muito fiel ao elenco, não é? A Elisabeth Hartmann disse, inclusive, que ele tinha até ciúme.

AM: Sim, ele tinha ciúme da gente, não deixava que a gente fosse ao Clube dos Artistas, não deixava que a gente fosse ao Almoço com as Estrelas. Interessante a pessoa. E era muito amoroso, brigava com você, e no dia seguinte mandava flores.

MCB: Como ele era no cinema?

AM: Eu nunca fiz nenhum filme com ele…

MCB: Fez sim.

AM:  Mentira! Fiz assim. Foi um filme que eu nunca vi,chamava-se Sexo…

MCB: Sexo, Sua Única Arma.

AM: Não era para ser esse nome, ele odiava, os distribuidores é que puseram. O filme era bom, a história era muito boa.

MCB: A Selma Egrei é a protagonista.

AM: A Selma Egrei. Tinha a Geórgia Gomide, que nos deixou agora. Com muita gente boa. Era a história da vingança dela (personagem de Selma Egrei), ela se fingia de cega. Era bonito, a gente filmou aqui perto, onde se faz muito vinho licoroso. A gente filmou dentro de uma fábrica de vinho, porque era uma fábrica de vinho caseiro, era linda a história. Eu me lembro que tinha um personagem que caía na tina enorme e morria. Era uma história muito bonita. 

MCB: Ele dirigia no cinema como dirigia na televisão?

AM: Igualzinho. Quer dizer, na linguagem de cinema, né?

MCB: Mas ele tinha também esse controle total como na TV, não é?

AM: Total e absoluto, e ficava doente quando não podia ter. Doente. Uma figura estranha, né?

MCB: Vocês, atrizes da Tupi, tem uma importância enorme. Elisabeth, Etty Fraser, Geórgia Gomide...

AM: Eu não fui ao velório da Geórgia, mas se tivesse ido eu ia dizer que a Geórgia morreu de tristeza. Ela queria trabalhar, mas ninguém a chamava. Isso acontece muito com todas nós.

MCB: Você fez há pouco a novela do Manoel Carlos, "Páginas da Vida".

AM: Sim, fiz também "O Profeta".

MCB: Na Tupi tem também a Elaine Cristina, que protagonizou A Senhora, do Vietri.

AM: Nesse filme eu fiz dublagem.

MCB: Pois é, sinto falta de você. No cinema, por exemplo, eu adoro o Palácio de Vênus, do Ody Fraga

AM: O Palácio virou cult, né?. 

MCB: Tem também o  Meus Homens, Meus amores, do José Miziara.

AM: Esse eu nunca vi.

MCB: Saiu sua biografia na Coleção Aplauso, “Fé, Amor e Emoção”, escrita pelo cineasta Alfredo Seternheim. Gostaria que falasse um pouco sobre ele.

AM: O Alfredo é uma pessoa muito inteligente, um excelente profissional, uma pessoa que não faz filmes há muito tempo, mas que foi um grande diretor de cinema. Ultimamente não deu para ele fazer filmes, ele não faz há muito tempo, porque foi ficando difícil e ele acabou abandonando. O sonho dele é fazer um filme ainda, porque agora voltou o cinema com tudo. O grande problema é captar recursos.

Ele é uma pessoa muito amiga minha, muito amorosa, todas as pessoas gostam demais dele. Ele sabe tudo de cinema, tudo que você perguntar para ele, ele sabe. Tanto que quando ele não fez mais filmes, ele passou a ser jornalista especializado em crítica de cinema. Todo mundo quando quer saber alguma coisa sobre cinema, mesmo os colegas, escritores, jornalistas, recorrem a ele, porque ele sabe tudo.

MCB: Vocês são muito amigos, não é?

AM: Muito. Quero te contar uma coisa sobre o Alfredo. O Alfredo é uma pessoa tão querida, que uma vez eu quebrei a perna e fiquei quatro meses com ela engessada. E imagina você que quem me levava ao hospital toda semana, e tinha que me levar no colo até o carro, porque tinha uma obra na porta da minha casa, na Estação do metrô Marechal Deodoro, era o Alfredo! Que amigo! Isso é inesquecível, não é? Ele largava tudo o que estava fazendo para ir comigo e ficava no hospital o dia inteiro, na Santa Casa, naquela época eu estava sem plano de saúde e foi tudo lá. Olha, jamais eu vou me esquecer disso. Eu moro na praça, nós ficamos sem calçada e não tinha como parar carro, não tinha como fazer nada. Ele, o Antonio Carlos e um outro amigo meu, o Sergio Buck, me levavam no colo até a esquina onde estava parado o carro dele. Eles me levavam toda semana, olha só. A gente se gosta muito.

MCB: eu tenho um carinho muito grande pelas atrizes da Tupi, pois fazem parte do meu imaginário.

AM: E é bom porque aí você mostra que a gente está viva.

MCB: E muito vivas. É porque as entrevistas contribuem para eternizar a memória também e tem muitos jovens que não conhecem.

AM: Eu acho ótimo. Eu queria muito voltar a fazer novelas. eu adoro fazer. Mas eu estou trabalhando sempre. Eu fiz um filme no ano passado, que ainda não saiu. Um filme espírita, E a Vida Continua..., do Paulo Figueiredo. 

MCB: Que é outro ator veterano importante.

AM: O Paulo é muito meu amigo. A primeira novela que ele fez na vida foi uma que eu estrelava na Excelsior, “Caminho das estrelas”. 

MCB: Da Dulce Santucci.

AM: Isso, o Agnaldo Rayol era o galã.

AM: O Paulo vai fazer mais dois, é tudo filme espírita. O Paulo é espírita, sempre foi, até tem livro publicado, agora está com essa trilogia sobre filmes espiritas. A gente faz muita novela também para a LBV, que ele escreve. Fizemos “Nosso Lar”, “Há dois mil anos”. Ele agora está na Record, fazendo novelas lá. Agente deve fazer  juntos esses outros filmes.

MCB: Muito obrigado pela entrevista.

AM: Obrigado a você.


Entrevista realizada por telefone em março de 2011.

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.