Ano 20

André Gatti (Sonia Braga)

Escolher uma mulher do cinema brasileiro é uma coisa meio difícil, mas, para mim, não enquanto professor nem nada, e nem enquanto, sei lá, qualidade dramatúrgica como atriz e tal. Para mim, a atriz que eu considero e que eu venero do cinema brasileiro, e são tantas e é uma injustiça que eu vou cometer com muitas, é a Sônia Braga. Por várias razões, por tudo que ela é, pelo o que ela representa do cinema brasileiro. Pelo fato de a Sônia ter sido uma atriz que conjugou uma situação de época, que quem vai lembrar-se da época que ela fez os filmes brasileiros dos anos 70 e começo dos anos 80, um cinema brasileiro muito marcado pela chave erótica e tal. E ela fez vários filmes com essa pegada, vamos dizer assim, mas ela conseguiu dar uma qualidade para esses filmes. Me refiro basicamente a três filmes, o Dona Flor e seus dois maridos, o A dama do lotação e o Eu te amo. E não por acaso esses filmes foram grandes sucessos de público, de critica. O Dona Flor ganhou prêmios lá fora. Inclusive, foi um filme que, nos anos 70, de uma certa forma, projetou o cinema brasileiro lá fora. Claro, ela fez O beijo da mulher aranha, que é um filme que já não gosto tanto, mas, enfim, é um filme super importante também porque concorreu ao Oscar, não por ela, mas pelo William Hurt, que foi inclusive premiado com o filme. 

Então, por essas questões, eu acho que a Sônia é uma figura muito importante do cinema brasileiro. Eu acho que ela tem sido menosprezada, não sei se é bem a palavra, pela atual produção, porque não a vejo na tela. Não sei se por questões de contrato, sei lá, não sei, não privo da intimidade dela. Eu sei que ela é meio louca e tal, mas quem não é, né? rsrsrs. Inclusive, agora, ela está processando a Globo, e com razão, porque afinal de contas a Globo botou um canal lá e passou Dancin´ days.  Isso sem falar da carreira dela na televisão, porque Dancin´ days, você tem mais ou menos a minha idade e vai lembrar-se do impacto que foi. 

Então ela foi uma atriz que foi muito bem sucedida na televisão, no cinema, e no teatro também, porque na realidade a carreira profissional dela começou no Hair, e, na época, fazer o Hair no Brasil era um desafio. O Adhemar Guerra que dirigiu, mas a parte coreográfica quem fez foi a minha tia Márika Gidale.  Na época eu era muito novo e eu era louco pra ver o Hair, mas é lógico que não podia porque era proibido para menores de 18 anos rsrsrs. Então, desde garotinho eu queria ver a Sônia Braga em pêlo, vamos chamar assim rsrsrs, porque ela era o grande símbolo sexual dos brasileiros. E pelo fato de ela ser uma grande atriz, né? Tudo isso que eu falei eu estou escondendo a matéria principal dela que é ela ser uma grande atriz, uma figura, sei lá, impar do cinema brasileiro, e que eu acho que merecia alguém olhar com carinho essa pessoa. Talvez, todo esse processo que ela está vivendo de ter voltado ao Brasil depois de tentar uma carreira, eu não digo mal sucedida, mas eu creio que a carreira que ela teve lá fora não foi exatamente o que ela esperava, que é uma coisa muito vincada. Agora tem a sobrinha dela, a Alice Braga, que é uma grande atriz também, mas que em tese até conseguiu escapar um pouco daquele estigma da atriz latina. Mas eu soube que agora a Alice vai fazer uma minissérie ou seriado nos Estados Unidos, em que ela vai fazer o papel de uma traficante, coisa do gênero, papel que a Sônia já fez lá nos Estados Unidos também.

Enfim, então isso é a Sônia Braga, eu acho uma figura impar, independente da beleza dela, que hoje já é uma senhora, mas ainda é uma mulher bonita. Uma grande atriz, uma mulher que levantou o cinema brasileiro. Antes do Gustavo Dahl morrer, a gente conversou sobre o A dama do lotação, que foi um filme feito com muito pouco recurso na época, mas os caras queriam, o Neville D´Almeida queria muito aproveitar o sucesso dela, o texto do Nelson que estava na mão dele e tal, e ela topou entrar no filme. Ela foi muito esperta, quer dizer, eu não conheço com detalhes, mas o Gustavo me falou que ela ficou sócia do filme.  E  Os sete gatinhos, até então, tinha sido a segunda maior bilheteria do cinema brasileiro, só tinha perdido para o Dona Flor. Lógico que agora tem o Tropa de elite e tal, mas mesmo assim, quer dizer, ela teve um lado de tentar apoiar a produção. O Neville não é um cineasta fácil, né, um cineasta estigmatizado também, enfim, apesar de ter feito filmes interessantes. 

Por essas razões, pra mim,é uma coisa meio de fã mesmo, não é de pesquisador. E a Sônia tinha o contraponto, que era a Vera Fischer, né, ela era a morena e tinha a loira, uma coisa que vinha lá da chanchada, a loira e a morena. Pra mim a Sônia Braga é única, sei lá, não tem pra ninguém. Estou falando agora como fã e não como pesquisador. Uma figura que eu admiro muito e respeito por tudo que ela fez para o cinema brasileiro. Eu acho que as pessoas deviam ter um pouquinho mais de carinho com ela, sabe, parece que ela não existe, não sei, eu não vejo. A única noticia que eu tive recente dela foi justamente essa, saiu alguma nota no jornal que ela estava processando a TV Globo porque a Globo estava passando Dancin´days naquele canal Viva e ela cobrando os direitos que são justos. Enfim, é isso. 


André Gatti é pesquisador, professor de cinema e ator.

Depoimento registrado em janeiro de 2015 na 18ª Mostra de Cinema de Tiradentes.

Foto: cena de A dama do lotação (1978), de Neville D´Almeida.

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 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.