Ano 20

Viva voz, 2004, Paulo Morelli

Uma comédia pouco eficiente

Não é de hoje que a polêmica entre o cinema comercial versus cinema de autor causa discussões no cinema brasileiro. Quando as salas de cinema do país ficavam abarrotas nos anos 1940 e 50 com as chanchadas da Atlântida, a crítica e os intelectuais apontavam o dedo para a rede Severiano Ribeiro, que numa lógica perversa para produções de outra ordem, produzia os filmes já garantindo o  espaço para exibição. Hoje, em outra proporção, a Globo Filmes vem herdando um tanto desse olhar. Mesmo não sendo uma rede exibidora, os títulos da Globo Filmes – ou de seus parceiros - têm garantido um espaço de marketing agressivo na maior emissora do país. Mais ainda, a produtora é acusada de não contribuir em nada para a linguagem cinematográfica e de apenas estender sua estética televisiva para as telas do cinema nacional. E o agravante é que os filmes vem fazendo grandes bilheterias.

 E é a Globo Filmes uma das parceiras da nova produção da 02 Filmes, de Cidade de deus, que acabou de chegar aos cinemas, a comédia Viva voz, dirigida por Paulo Morelli. O filme acompanha um dia na vida de um empresário que após acumular alguns milhões no caixa 2, resolve mudar de vida a começar pelo rompimento com a amante. Só que na hora em que decide leva a decisão a cabo, sem querer aciona uma chamada pelo celular para a esposa, que acompanha todos os acontecimentos daí em diante pelo aparelho. Entra em cena então uma galeria  de tipos, como os assaltantes inusitados, o sócio corrupto, o secretário gay, a amiga traíra, e os policiais. 

 Novamente, a pecha de produtos um tanto quanto televisivos procede, como em A partilha e Sexo, amor e traição,  para esse novo rebento, dirigido por Morelli - um dos  fundadores da 02 Filmes,  junto com Fernando Meirelles e Andrea Barata Ribeiro. O maior trunfo do filme é a interpretação de Dan Stulbach, ator consagrado no teatro por Novas diretrizes em tempo de paz, e que se tornou popular pelo vilão Marcos interpretado na novela Mulheres apaixonadas, de Manoel Carlos. Além de Dan Stulbach, Viva voz tem como protagonista e em papeis de destaque, três atrizes de diferentes escolas; respectivamente Vivanne Pasmanter, Betty Gofman e Graziella Moretto. 

Viviane Pasmanter estreou nas telas e na telinha em 1991. No cinema, no curta Estação aurora, de Cristina Leal; e em novelas em Felicidade, de Manoel Carlos. Se o novelista da hora reservou para a atriz personagens com um pé no desajuste e outro na vilania, no cinema Vivianne Pasmanter vem experimentando outros caminhos. Em Viva voz ela compõe com eficiência a personagem Mari, esposa do inseguro Duda (Stulbach), que acompanha pelo viva voz os passos nada corretos do marido. Longe de construir uma persona cinematográfica, talvez até pela direção que define para o filme um insuportável tom naturalista que impera nas novelas globais, a atriz consegue apenas uma interpretação correta, dentro da proposta do filme. O mesmo vale para as outras duas colegas de cena. 

 Betty Gofman possui enorme talento, e faz parte da renovação do elenco de atrizes humoristas das artes cênicas brasileiras, e que abriga nomes como Regina Casé, Débora Bloch, Cristina Pereira, Andréa Beltrão, Denise Fraga, Cláudia Raia, Fernanda Torres, Louise Cardoso, entre outras. No entanto, é uma atriz que precisa de direção, senão acaba repetindo o mesmo tipo – entre o irônico e o estranhamento – ou cai numa interpretação exagerada. No caso de Viva voz enquadra-se no primeiro modelo, o que vem a ser apenas uma camisa de força para essa atriz que já foi capaz, por exemplo,  de compor com brilhantismo personagens da envergadura de um Orlando, de Virgínia Wolf, em espetáculo teatral dirigido por Bia Lessa. 

Graziella Moretto vem, aos poucos, conquistando seu lugar de destaque. Bela surpresa do delicioso Domésticas, o filme, de Fernando Meirelles e Nando Olival, em 2001, e com passagem inesquecível pelo seriado Os normais, a atriz também tem que ficar atenta para não virar apenas uma caricatura de si mesma – como está fazendo na novela Da cor do pecado, atual sucesso global das sete. Com talento inequívoco, Graziella Moretto constrói, em Viva voz,  muito mais um tipo do que um personagem realmente. Aliás, todo o elenco do filme cabe nessa constatação, com exceção de Dan Stulbach que, mesmo com a direção querendo a todo custo desumanizar os personagens, ainda assim consegue compor seu Duda com um mínimo de verossimilhança. 

Viva voz tem seus momentos de graça, mas seu mal maior parece ser o  de querer fazer graça em cada fotograma. Mesmo que para isso coloque  a perder a consistência de seus personagens, esvaziando o filme.

Na ficha técnica, a presença de Cláudia Briza na Direção de Arte.

Viva voz
Brasil, 2004, 1h27, Direção: Paulo Morelli

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 Léa Garcia
Dona de um talento ímpar e altivo, Léa Garcia brilha no teatro, na TV e no cinema.