Ao assistirmos os curtas A escada (1996) e Palíndromo (2001) dá para perceber claramente o domínio narrativo que o cineasta Philippe Barcinski imprime em seu cinema. E essa constatação se faz por inteira em Não por acaso, estreia do diretor em longas.
Em Não por acaso ele conta a história de dois homens controladores, um engenheiro de trânsito e um fabricante e jogador de sinuca, que têm suas vidas sacudidas por um acidente fatal envolvendo mulheres de suas vidas. Para dar vida a esses dois homens amargurados e fora de seus eixos com o acontecimento, Barcinski apostou no talento crescente de Rodrigo Santoro e em Leonardo Medeiros, um dos maiores atores do atual cinema brasileiro.
Philippe Barcinski vem recebendo algumas críticas. Alguns apontam a frieza do filme, estado acentuado pelo controle excessivo do diretor. Outros tantos desagradaram da trilha sonora, xaroposa e dispensável para esses acusadores. Não vejo problema em nenhuma dessas apontadas falhas. Gosto de filmes frios, calculados, assépticos – e gosto do extremo oposto também -, e a trilha, mesmo que excessiva em alguns momentos, não chegou a me incomodar e, vez ou outra, inclusive, gostei muito de sua colocação.
Não por acaso apresenta trabalho de atrizes de três gerações cinematográficas: Cássia Kiss, Letícia Sabatella, Graziella Moretto e Branca Messina, Silvia Lourenço e Rita Batata.
Cássia Kiss é uma presença constante no cinema. E o melhor, quase sempre em filmes marcantes como Ele, o boto (1987 – Walter Lima Jr), A grande arte 91991 – Walter Salles), Bicho de sete cabeças (2001 – Laís Bodansky). Sua personagem em Não por acaso, Iolanda, mãe de uma das vítimas, tem perfil condizente com alguns trabalhos da atriz: contensão e dominação emocionais.
Graziela Moretto é uma atriz interessante, com brilho próprio tanto em drama como comédia. Domésticas (2001 – Fernando Meirelles e Nando Olival), Cidade de deus (2002 – Fernando Meirelles e Kátia Lund) e Viva voz (2003 – Paulo Morelli) foram alguns de seus trabalhos nas telas. Em Não por acaso ela faz uma participação pequena, mas faz bem a personagem Mônica, ex-esposa de Ênio (Leonardo Medeiros). Sua interpretação é pontuada por uma espécie de tristeza, ou melancolia, vista também em filme completamente diverso, Domésticas.
Branca Messina como Teresa é luminosa presença – Melhor atriz Coadjuvante no Cine PE. A atriz traz um frescor na primeira parte do filme, que será recuperado pela Bia de Rita Batata depois. Se Teresa é aquela que vai tentar descontrolar a vida de cartas marcadas de Pedro (Rodrigo Santoro), Bia vai ser a herança da vida de Ênio, arejando uma vida confinada às paredes do apartamento, do local de trabalho e de suas defesas emocionais.
Por fim, temos Letícia Sabatella. É impressionante como Letícia está cada dia mais linda e melhor atriz. E mais que isso: está cada vez mais cinematográfica. Impossível não deixar de imaginar o quanto “renderia” nas mãos de Walter Hugo Khouri. No entanto, em Não por acaso sua personagem é mais mal construída, prejudicada por um roteiro que não delineia muito bem a sua Lúcia. Se os demais personagens do filme, os dois protagonistas e as diferentes mulheres que os circundam, tornam-se críveis aos nossos olhos, o mesmo não se dá em relação à Lúcia, fica difícil entender e acompanhar suas motivações. Ainda assim, Letícia Sabatella consegue imprimir uma aura cinematográfica em cada aparição.
Na equipe técnica, as presenças de Fabiana Werneck, co-roterista ao lado de Philippe Bracinski e Eugênio Puppo, Andréa Barata Ribeiro e Bel Berlinck, co-produtoras ao lado de Fernando Meirelles; e Vera Hamburger na Direção de Arte.
Além do prêmio de Branca Messina, Não por acaso recebeu mais três prêmios no Cine Pe – Melhor Ator (Leonardo Medeiros), Melhor Fotografia (Pedro Farkas) e Melhor Edição (Márcio Canella).