Ano 20

9 Olhar de Cinema - Competitiva Curtas

Cena de Chão de Rua (2020), de Tomás von der Osten
O 9o. Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, que começou no dia 7, continua apresentando virtualmente até o dia 15  sua programação extensa de filmes, com 78 títulos entre curtas e longas de vários países. O Mulheres do Cinema Brasileiro, pelo seu perfil histórico, está cobrindo os filmes brasileiros.

Na Mostra Competitiva dessa nona edição do Olhar de Cinema estão sendo exibidos dois curtas: Chão de Rua (Brasil, 2019, 20 min.) de Tomás von der Osten; e Noite de Seresta (Brasil, 2019, 19 min.) de Sávio Fernandes, Muniz Filho.

Chão de Rua, uma produção do Paraná dirigida por Tomás von der Osten, impressiona. Em cena, o encontro de meio-irmãos. Ele um homem negro, pedreiro, completamente apaixonado pela esposa Célia, amor que expressa na tatuagem que acabou de fazer no peito. Ela uma jovem branca, desajustada e rebelde, que vive com a mãe dos dois, mas que se insurge contra esse "fardo" a lhe demandar cuidados e também contra a cunhada que lhe impede acesso à família do irmão, sobretudo ás sobrinhas.

O filme é sobre cada um deles e é, sobretudo, sobre a relação entre os dois, como também deles com aqueles à suas voltas. A mãe nunca aparece, mas está no centro de tudo, como a personificar as arestas e as fricções que permeiam os caminhos dois dois.

Submetido à jovem esposa, ele não quer colocar seu casamento em risco, nem que para isso precisa renegar a mãe e a irmã. Já ela, quer refazer a qualquer custo a relação com ele e com as sobrinhas, não só para dividir o peso da mãe, mas como também a  garantir seu repouso de guerreira e adiar seu processo de responsabilidades de vida adulta.

Chão de Rua vai apresentando seus personagens e sua história de forma tão precisa, que, muitas vezes, se prescinde de focos de ações na narrativa, valendo-se de silêncios, olhares e gestos, impulsionados pela bela interpretação de seus atores, Santos Chagas e Ma Ry - e mesmo a breve aparição de Patricia Saravy como Célia também dá a medida exata para toda a representação que o filme dá ao seu tema.

A junção da cena do enterro das fitas cassetes de música com a revisitação dos dois irmãos naquela chão deitados um lado do outro, mas em posições e direções contrárias, é não só belíssima, como também  síntese poderosa de dois mundos que por mais que querem se desligar e se desfazer, voltarão para sempre à origem comum, ainda que salpicado de solidão, abandono e dor.

Noite de Seresta, produção cearense de Sávio Fernandes e Muniz Filho, é filme aparentemente solar, mas também entranhado de dores profundas, ainda que busque outras formas de expurgá-las. O filme é sobre Kátia, uma cantora de karaokê amante da canção popular, que faz shows entre a vizinhança e pelos bares por onde mora.

Há todo um mundo em Kátia. A mãe, a mulher, a artista, a relação LGBTQUI, a dependência química. Assim como também, a dor, a alegria, a vaidade, o desejo do reconhecimento e do sucesso, e a aposta na vida. A personagem trafega por tudo isso quase sempre com a mesma postura alegre ou, pelo menos, em um estado de suspensão, como quando fala dos temores frente ao quarto do filho dependente de drogas.

E o filme consegue  não só dar conta de sua carismática personagem como também propaga essas camadas  a partir dela e de suas escolhas de roteiro, direção e olhar. Apesar dos revezes, Kátia se mostra positiva, e Noite de Seresta acerta ao conseguir impregnar isso na tela, como também deixar à mostra por frestas o rio caudaloso pelo qual navega em submerso sua otimista personagem.

"O homem nasce de todos os homens, todos os homens o valem e ele vale a todos os homens", já se dizia em  Dersu Uzala, o clássico  de Akira Kurosawa. E kátia, com seu canto industrial, mas convertido em expressão pessoal, vai fazendo seu caminho em meio a tantas outras pessoas, como as focalizadas no show apresentado no filme, sem ter que esconder o amor pela companheira e pelo filho, e, sobretudo, por si mesma e pelo seu canto. E que vale a todos aqueles outros personagens com os quais se interage durante sua apresentação, como  todo um  canto do povo de um lugar.

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Serviço
9º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba
De 7 a 15 de outubro - filmes exibidos e programação completa no 
site olhardecinema. com.br
Ingresso: R$ 5 por filme]]




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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior