Ano 20

12a Cineop - Mulheres em Foco

Mulheres da Boca
A primeira sessão da Mostra Histórica de ontem, sábado, 24, no Cine Vila Rica, foi dedicada aos curtas dirigidos por mulheres. E foi uma programação da pesada.

O primeiro foi o curtíssimo Rosae Rosa (1968), dirigido por Rosa Maria Antuña Martins. 

Sempre que consultava o catálogo "Quase Memória", organizado por Heloísa Buarque e dedicado às diretoras, ficava continuamente intrigado. Afinal, tínhamos em Belo Horizonte uma diretora de longa-metragem da década de 1970? 

Até que fui apurar, e descobri que o registro estava incorreto no catálogo: o filme tinha seis minutos e não 60. Era, portanto, um curta e não um longa. Com essa apuração, acabei realizando uma entrevista com a diretora em abril de 2013. Depois ele foi exibido no Cine Humberto Mauro, em BH, e agora aqui na Cineop.

Depois de Rosae Rosa, Rosa Maria dirigiu outro curta, Solo, e esses dois trabalhos dela a colocaram no patamar dos pioneiros do cinema feito em Minas Gerais. 

Na entrevista ao Mulheres – que pode ser acessada aí no menu, link Elas por Elas, a cineasta diz sobre esse filme, que tem um acento forte de crítica social no encontro entre uma mulher de classe média e um mendigo: “Eu mesma filmei, quis pegar a câmera e eu mesmo filmar. E colocaram uma música que acaba antes do filme. Foi um filme bem aceito, ele significava mais ou menos que a estética só seria apreendida depois que você está com a barriga cheia, com as necessidades satisfeitas”. 

O segundo filme da noite foi o impactante Mulheres da Boca, curta de 1982 dirigido por Inês Castilho e Cida Aidar.

Desde a primeira vez que vi a foto e a sinopse desse filme naqueles catálogos da Embrafilme da época que ansiava assistir a esse filme. E só mesmo aqui na Cineop para se ter acesso a tantas pepitas de ouro em uma mesma edição de uma mostra de cinema, exatamente por seu foco ser o cinema como patrimônio e registro de memória.

Valeu a espera. Mulheres da Boca é impactante. O curta, de 22 minutos, focaliza as prostitutas da Boca do Lixo, em São Paulo, estendendo o foco para todo o seu universo circundante, formado ainda por clientes, cafetões, ambientes. Mulheres da Boca exalta aquelas mulheres habitantes e sobreviventes de todo um universo adverso, a partir de uma lente feminista.

Mulheres da Boca é muito bem filmado, e há, em cada fotograma, uma pujança de força no olhar para aquelas mulheres invisíveis como sujeito e apenas objetificadas pela sociedade, ao mesmo tempo em que uma tristeza funda nos assalta frente ao mostrado.

A sessão encerrou-se com o já clássico A Entrevista, curta de 19 minutos dirigido por Helena Solberg.

A Entrevista se debruça sobre o tema do casamento, colocando em cena uma mulher às vésperas e se preparando para a cerimônia, ao mesmo tempo em que ouvimos só o áudio de várias mulheres de classe média, segundo Solberg, falando o que pensa sobre o tema e seu entorno: virgindade, sexo, fidelidade, vida doméstica, realização e etc.

A Entrevista constrói, muito habilmente pela cineasta, um roteiro potente e uma direção inventiva para propor toda uma discussão sobre os mecanismos de opressão sobre a mulher e a condição feminina, já que as depoentes não permitiram serem filmadas.

Como o filme foi realizado em 1966, e é,inclusive, filme integrante do Cinema Novo, movimento que buscou uma revolução de conscientização das massas a partir do cinema, A Entrevista tem que ser visto também dentro de seu contexto de época. E aí não só dentro do movimento, mas no seu momento histórico, já que foi feito durante o golpe da ditadura civil-militar, o que amplia seu espectro sobre a opressão institucionalizada.

Enfim, assistir em uma tacada só três curtas realizados por mulheres de três grandes capitais – Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro -, todos eles sobre o tecido social com críticas contudentes, foi mais um ponto alto dessa 12a Cineop.

Rosemberg

Também na noite de ontem, foi a vez de conferir a exibição do longa Rosemberg - Cinema, Colagem e Afetos, documentário dirigido por Cavi Borges e Christian Caselli

O diretor Luiz Rosemberg Filho é responsável por um dos momentos luminosos da história do cinema brasileiro. Afinal, dirigiu filmes absolutamente inventivos e, na mesma medida, desconcertantes. 

Dentre os filmes estão o delicioso A$untina das Amérkas. Todo concebido em torno da atriz Analú Prestes – já entrevistada pelo Mulheres; menu, link Elas por Elas -, que deita e rola nessa obra transgressora. E também o recente Dois Casamentos, um dos filmes memoráveis da última safra do cinema brasileiro, e que demonstra o quanto Rosemberg jamais perdeu sua lente de inventividade.

O documentário de Cavi – um grande parceiro do cineasta como produtor – e de Caselli busca, em seus 66 minutos, dar conta da trajetória riquíssima e desafiadora do cineasta. Acertadamente, faz isso não em tom didático, o que seria uma temeridade em se tratando de Rosemberg, mas trilhando e se utilizando de recursos imagéticos para evocar, mais que registrar, a atmosfera de um dos nossos mais inventivos, talentosos e perturbadores criadores do cinema brasileiro.


Mais informações e programação completa da 12a Cineop
www.cineop.com.br

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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior