Ano 20

Raissa Gregori

Raissa Gregori nasceu em 12 de dezembro de 1981, em Olinda, Pernambuco, mas com um ano de idade radicou-se em São Paulo. O início da carreira artística foi no teatro, quando se formou no Teatro Escola Célia Helena: “Eu me formei em 2000, com um espetáculo dirigido pela Cleide Yáconis, uma grande atriz, chamado Quinze atores à procura de um personagem. Depois, em 2000 mesmo, aos 18 anos eu ingressei na faculdade e fui fazer Filosofia na USP. Simultaneamente, fui fazer um projeto de formação com o Antunes Filho, do CPT - Centro de Pesquisa Teatral”. A trajetória nos palcos é intensa: “Eu tenho uma trajetória mais extensa, na verdade, no teatro do que no cinema, embora pretenda que as coisas se equiparem daqui para frente. Logo que me formei, em 2000, eu sempre trabalhei muito com coletivo de teatro, formação de grupos de teatro. Comecei em um grupo com Amigas regressas, da Célia Helena, que é o Tablado de Arruar, um grupo de teatro de rua que existe até hoje em São Paulo. Depois fundei um outro grupo, que é o Grupo Dezenove de Teatro, em São Paulo, no qual a gente fez um espetáculo chamado Hysteria, que teve muita visibilidade”.

A estreia como atriz de cinema se deu em 2001 com o curta A bela e os pássaros, dirigido por Marcelo Toledo e Paulo Gregori: “Fiz o meu primeiro trabalho em audiovisual, um curta com esses diretores com quem eu mais trabalho até hoje, o Marcelo Toledo, com quem dez anos depois eu me casei, e o Paulo Gregori, que apesar de ter o mesmo sobrenome não é meu parente”. Ela relembra a primeira experiência em um set de cinema: “Foi uma coisa doida pra mim, porque o campo do cinema é um lugar onde o ator tem muito menos domínio da situação como um todo do que no teatro. Ainda mais eu, que vinha de uma formação de teatro de grupo, onde o ator está presente em diversas esferas da produção do espetáculo”. 

Em 2006 para 2007, Raissa Gregori protagoniza o curta Beatriz, de Marcelo Toledo e Paulo Gregori, e que seria incorporado ao longa Corpo presente, dirigido pelos cineastas: “Eles já tinham me anunciado que seria um curta-metragem que estava dentro do projeto de um longa. Eu me entusiasmei com essa ideia e colei neles feito uma aprendiz mesmo. Aí eu ajudei na pesquisa do roteiro, eu não estou na elaboração do roteiro, mas eu ajudei na pesquisa. Fiquei como fiel escudeira acompanhando-os em todas as fases do projeto, formatação, captação de recurso, roteiro, retrabalho no roteiro, até que surgiu a oportunidade, em 2009, de viabilizar o longa”. 

Raissa Gregori esteve na 15ª Mostra de Cinema de Tiradentes, realizada em janeiro de 2012, para o lançamento do longa Corpo presente. Ela conversou com o site Mulheres do Cinema Brasileiro e falou sobre sua formação, a trajetória no teatro, os curtas em que atuou, o trabalho no novo filme e outros assuntos.



Mulheres do Cinema Brasileiro: Primeiro, qual a sua origem, data de nascimento completa e formação?

Raissa Gregori: Eu nasci no dia 12 de dezembro de 1981, em Olinda, Pernambuco, de pai pernambucano e mãe paulistana. Moro desde um ano de idade em São Paulo, então, eu tenho aí uma origem híbrida, pois nasci em Olinda, mas me considero uma paulistana. Eu me formei em Teatro, no Teatro Escola Célia Helena.

MCB: Quando?

RG: Eu me formei em 2000, com um espetáculo dirigido pela Cleide Yáconis, uma grande atriz, chamado Quinze atores à procura de um personagem. Depois, em 2000 mesmo, aos 18 anos eu ingressei na faculdade e fui fazer Filosofia na USP. Simultaneamente, fui fazer um projeto de formação com o Antunes Filho, do CPT - Centro de Pesquisa Teatral.

MCB: Seu trabalho como atriz começa no teatro, então eu queria que você falasse um pouco sobre essa trajetória, antes de entrarmos no audiovisual.

RG: Perfeito. Bom, eu tenho uma trajetória mais extensa, na verdade, no teatro do que no cinema, embora pretenda que as coisas se equiparem daqui para frente. Logo que me formei, em 2000, eu sempre trabalhei muito com coletivo de teatro, formação de grupos de teatro. Comecei em um grupo com amigas regressas da Célia Helena, que é o Tablado de Arruar, um grupo de teatro de rua que existe até hoje em São Paulo. Depois fundei um outro grupo, que é o Grupo Dezenove de Teatro, em São Paulo, no qual a gente fez um espetáculo chamado Hysteria, que teve muita visibilidade.

MCB: Eu conheço.

RG: Ganhou bastante prêmio, viajou para várias cidades do Brasil e do mundo, e foi um espetáculo que eu considero uma verdadeira iniciação na minha carreira profissional, um verdadeiro batizado. Inclusive, é um espetáculo de criação coletiva, então os textos são nossos, é um trabalho que me marcou muito e que até hoje é muito importante na minha carreira. Depois disso, eu fiquei trabalhando um tempo no CPT, acho que foi logo aí que fiz o meu primeiro trabalho em audiovisual, um curta com esses diretores com quem eu mais trabalho até hoje, o Marcelo Toledo, com quem dez anos depois eu me casei, e o Paulo Gregori, que apesar de ter o mesmo sobrenome não é meu parente.

MCB: Ah, não? (Risos de ambos).

RG: Não, eu sou parente do outro, que não tem sobrenome igual.

MCB: Eu fiquei imaginando, será que é irmão, será que...

RG: A grande coincidência. A gente filmou, e acho que foi lançado em 2001, A Bela e os pássaros. Já estou confundindo as datas: o Hysteria acabou estreando em 2002, A farsa do monumento, que eu fiz com o Tablado de Arruar, estreou depois também em 2002, e em 2001, A Bela e os pássaros. Aí eu trabalhei com...

MCB: Você consegue recuperar essa primeira experiência de um set?

RG: Foi uma coisa doida pra mim, porque o campo do cinema é um lugar onde o ator tem muito menos domínio da situação como um todo do que no teatro. Ainda mais eu, que vinha de uma formação de teatro de grupo, onde o ator está presente em diversas esferas da produção do espetáculo. Então, eu me sentia bem jogada num campo desconhecido, eu era muito nova, e o Marcelo e o Paulo não são diretores de atores muito autoritários, muito formalistas, eles dão muita liberdade. Aquele momento para mim era uma coisa um pouco desesperadora, por não ter domínio da situação, mas, ao mesmo tempo, tudo que é novo dá um imenso prazer, a descoberta desses elementos que eu não encontrava no teatro, como a câmera, por exemplo. Foi bem gostoso, um filme gostoso de fazer, tinha locações muito bonitas. O filme está muito focado na trajetória da minha personagem, então eu tive a sorte de fazer um primeiro filme, cuja toda a estrutura também estava voltada para mim. Então nesse lugar eu tinha algum amparo.

MCB: Como você chegou até eles? 

RG: Eles chegaram até mim. Eles assistiram ao meu espetáculo de formatura com a Cleide. Eles estavam procurando uma atriz, chegaram a fazer diversos testes com outras atrizes, e daí foram assistir ao meu espetáculo. O Marcelo até conta sempre uma anedota de que falaram “Ah, só falta ser essa Raissa Gregori, hein, Paulo?” E de fato era eu. Eles vieram falar comigo depois do espetáculo, eu até desconfiei. “Ah, quem são esses dois querendo fazer um filme comigo?”. E está aí uma parceria de dez anos (risos).

MCB: Voltando ao teatro...

RG: Saindo do Antunes, eu não cheguei a estrear nenhuma peça, participei do processo de ensaio de Medeia, mas saí antes, inclusive por causa da trajetória do Hysteria. Depois eu formei um grupo com o pessoal egresso do Antunes, que é a Companhia da Mentira, e fiz um espetáculo com eles, um texto do Lourenço Mutarelli, que é quadrinista e escritor, mas que também trabalha muito com cinema, escreveu vários roteiros para cinema e peças de teatro. Depois disso, eu comecei a fazer vários espetáculos com grupos que não eram meus, entre eles um infantil com o Vladimir Capella. Eu fiz um curta com duas grandes amigas, a Laura Mansur, que tem sido assistente de direção de diversos filmes, e a Lila Foster, que se tornou pesquisadora de cinema, chamado A descoberta (2006). É um curta que não viajou muito. Aí acho que foi em 2006 para 2007 que eu voltei a ter uma relação mais próxima com o cinema, quando eu fiz o curta Beatriz, incorporado nesse longa agora, o Corpo presente, retomando essa parceria com o Marcelo e com o Paulo.

MCB: E aí, já casada?

RG: Não, eu fui casar com o Marcelo depois de terminar o processo do longa. A gente filmou o longa em 2009, e só ficamos juntos depois disso.

MCB: O cinema, hoje, está recrutando elencos diferenciados, muita gente vindo, inclusive, do teatro. E muito atores têm “cara” de cinema, já imprimindo uma assinatura, como em muitos outros momentos do cinema brasileiro. Você concorda com isso?

RG: Concordo. Eu acho que a gente está finalmente conseguindo se libertar de um certo jugo da televisão, não é? Eu acho que os atores ficaram, por um tempo, muito confinados nessa mídia, que é muito forte no nosso país. Isso, de alguma forma, prejudicou também outras linguagens. A gente veio também de uma época de censura com a ditadura militar. Tudo isso fez com que essas expressões do teatro e do cinema se fragilizassem muito, enquanto a TV ganhava muito espaço. Eu acho que já é um processo de mais de dez anos, os atores se organizaram em torno de um teatro, muitos atores que estão no cinema começaram fazendo só teatro, se formaram nesse lugar. Aprenderam a ser atores e a fazer arte seja ela em que mídia for, daí eu acho que agora a gente ganha essa força e esse espaço. Acho que tanto o teatro como o cinema são linguagens que têm suas autonomias, que voltam a achar algum público também, não é? Porque foram linguagens que também se enfraqueceram, foram pouco assistidas. As pessoas voltaram a gostar de teatro, voltaram a gostar de cinema, e eu acho isso mais do que maravilhoso, porque é um espaço onde o ator pode fazer trabalhos realmente artísticos, e não só trabalhos comerciais como na televisão, não é?

MCB: Você fez televisão?

RG: Não (risos).

MCB: Por que não quis ou por que ainda não recebeu convite? Quer fazer? Tem vontade?

RG: Olha, teve uma época em que eu era mais radicalmente contra televisão, eu era mais jovem e achava que não era possível fazer um trabalho bacana em televisão. Eu acho que hoje eu volto a acreditar nisso. Tem coisas de televisão que eu gosto, tem atores que são só de televisão e que eu admiro na mídia que eles fazem, mas realmente não foi algo que eu persegui na minha vida e nem veio tanto ao meu encontro. Acho que a partir de agora posso estar mais aberta para fazer televisão, mas acho que, principalmente, tem essa coisa do domínio do ator, entende? Da possibilidade do ator ser autor também. Isso fez com que eu ficasse no teatro muitos anos, só no teatro, porque, inclusive, é isso que eu te falei, na maioria dos trabalhos que fiz eu não estava só como intérprete, estava na criação de um texto, de uma proposta de direção, em tudo que envolvia o espetáculo.

MCB: Agora vamos falar de Beatriz?

RG: Vamos falar de Beatriz.

MCB: Pelo que eu entendi, o longa Corpo Presente foi sendo feito em etapas. Antes teve o curta Beatriz, não é? 

RG: Foi o primeiro. 

MCB: Depois tem o da Cintia?

RG: Cintia.

MCB: E depois tem o...

RG: Alberto. O Cintia e o Alberto foram bem mais próximos que o Beatriz. O Beatriz ficou mais afastado dos outros.

MCB: Você trabalha também no roteiro do filme, mas isso foi lá no episódio Beatriz ou no filme todo? No filme tem a atriz, mas tem também a roteirista. Gostaria que você falasse sobre esse processo.

RG: Quando eu fiz Beatriz, já tinha um roteiro pronto, e eu fui chamada como intérprete. Há muitos anos eu não via o Marcelo e o Paulo, mas eu trabalhei no filme como atriz, estritamente. É claro que, como eu falei, são dois diretores que dão muita liberdade de criação para os atores. O roteiro desses episódios, vamos chamar assim do Corpo presente, são roteiros também muito baseados nas personagens, então os atores têm uma importância fundamental na criação do personagem, o que acaba influenciando o roteiro. Mas eu trabalhei estritamente como atriz. Eu me lembro que, na época, eu trabalhava em uma instituição de cultura na periferia, e muitas dessas meninas que frequentavam esse centro cultural eram meninas que, pra mim, eram Beatrizes. Então fez muito sentido na época eu fazer esse personagem, eu estava muito próxima do universo da Beatriz. Mas aí depois, com a filmagem, eu acabei me aproximando bastante dos diretores, ficamos muito amigos e percebemos que, mesmo com o passar dos anos, a gente tinha muita identidade. Eles já tinham me anunciado que seria um curta-metragem que estava dentro do projeto de um longa. Eu me entusiasmei com essa ideia e colei neles feito uma aprendiz mesmo. Aí eu ajudei na pesquisa do roteiro, eu não estou na elaboração do roteiro, mas eu ajudei na pesquisa. Fiquei como fiel escudeira acompanhando-os em todas as fases do projeto, formatação, captação de recurso, roteiro, retrabalho no roteiro, até que surgiu a oportunidade, em 2009, de viabilizar o longa. A gente viabilizou filmando mais dois episódios como um filme de televisão para a TV Cultura, um telefilme da TV Cultura. Aí, nessa altura, eu já participei do processo fazendo produção de elenco e funcionando como assistente pessoal deles no set. Não é uma assistência de direção como é assistência de direção, tinha uma no filme, aliás, mais de uma. Mas é uma função que a gente não tem muito no Brasil, que são os assistentes pessoais dos diretores. Então, dessa forma eu acabei ficando em todo o processo do longa, inclusive na pós-produção, participando, assistindo ao processo de montagem, de correção de cor, de correção de som, mixagem, edição de som.

MCB: Você disse que participou da produção de elenco. Tem aquelas participações bacanas, do pessoal do cinema dos anos 70...

RG: Com certeza.

MCB: Muita gente da boca do lixo: Neide Ribeiro, David Cardoso, Alfredo Sternheim. Tem também uma musa da época, a Darlene Glória. São homenagens ou porque são icônicos? Vocês queriam remeter a uma fase do cinema feito em São Paulo? 

RG: Olha, são homenagens, são homenagens muito também do horizonte dos dois diretores, do Marcelo e do Paulo. Isso não é uma coisa que veio da minha produção, mas que veio muito da direção deles. Inclusive, no roteiro eles já pensavam nessas pessoas, nessas participações, muito mais do que em quem seriam os protagonistas.  E também é uma coisa que se estende, essa homenagem misturada com uma piada, não é? Com uma brincadeira com o humor, além de se estender também para figuras do nosso cinema contemporâneo. Então tem a Mariah Teixeira, que fez uma prostituta em Baixio das Bestas (2006, Cláudio Assis) e que faz uma prostituta também no bordel da Cíntia. Tem o Leandro Firmino, do Cidade de Deus (2002, Fernando Meirelles), fazendo um segurança na boate da Cíntia. Então, foi uma jocosidade que permeou a produção de elenco, o casting desse filme.

MCB: Tem também a Selma Egrei.

RG: Tem a Maria Teresa Gregori, que foi uma apresentadora de TV nos anos 70, 80, de um programa chamado Revista Feminina, que fez muito sucesso.

MCB: Que faz a avó do personagem do Marat Descartes.

RG: Sim. Ela é minha tia-avó, essa sim é minha parente (risos). Tem também o Ney Piacentini, que faz o dono da funerária. 

MCB: Sobre o Corpo Presente. Eu achei interessante você falar no debate que não queria se sentir sufocada por um filme estabelecido só numa geografia particular. Que você almejava que ele fosse incorporado por outras geografias, não só especificamente a de São Paulo. Eu queria que você falasse um pouco sobre o filme e os personagens com essa questão do corpo, que, inclusive, está no título do filme. 

RG: Bom, eu acho que tem sido uma questão do cinema brasileiro contemporâneo essa regionalização, não é? Fala-se muito no cinema paulista, no cinema pernambucano, no cinema cearense, no cinema carioca, no cinema brasiliense, gaúcho e por aí vai. Eu acho que realmente isso é uma riqueza brasileira, a questão da diversidade das suas regiões, e que, claro, essas diferenças culturais estão compreendidas nas expressões artísticas. Mas tem aquela velha frase que diz que a arte sempre almeja ser universal, não só brasileira, não é? Por mais que se nacionalizem os cinemas, a gente sempre quer fazer algo que transcenda as geografias e que transcenda épocas. No debate sobre essa exibição de Tiradentes, ficou muito forte essa expressão do filme como um filme paulistano, e pegaram muito essas pequenas referências, sejam de elenco, sejam referências visuais desse cinema paulistano dos anos 80. Mas é um filme que quer falar de pessoas, quer falar de pessoas numa relação com a sua satisfação e a sua insatisfação, que é a expressão de uma dificuldade da vida contemporânea. É a expressão de uma relação com a cidade de São Paulo, que é uma cidade hostil e ao mesmo tempo viciante, mas é uma relação humana das pessoas com o seu meio e sobre o que elas têm que fazer para sobreviver, o que elas têm que fazer para viver.

MCB: E você acha que isso, inclusive, está colocado usando-se o corpo desses personagens? É esse corpo presente, que está no título, que é norteador? Ele acaba sendo um signo importante dentro do filme para falar do que se almeja e do que não é possível fazer, ou dos atalhos que a gente pega? Tem, por exemplo, a sua personagem, a dançarina que também é manicure e faz programas sexuais, mas que acredita na arte dela, ainda que pegue uns atalhos. Eu queria que você falasse um pouco sobre essas metáforas e esse signo do corpo na construção e na elaboração desses personagens, dentro daquele contexto do filme.

RG: Em artes plásticas se fala muito de figura e fundo, e eu acho que nesse filme tem muito essa relação dos corpos com a paisagem. De alguma forma, os corpos dessas três personagens, a Beatriz, a Cíntia e o Alberto, têm um amortecimento por serem condicionados a um cotidiano desconfortável a esses próprios corpos. Cada um, à sua maneira - talvez a Cíntia com otimismo maior que os outros, o Alberto com uma fuga nas drogas e a Beatriz através do seu amortecimento, da sua apatia -, revela que os desejos são outros, que esses corpos estão automatizados. Mas que eles são corpos desejantes, que eles não perderam a sua vocação de corpos desejantes. Eles se condicionaram a uma automatização na cidade, por necessidade de sobrevivência. Realmente, eu acho que não é à toa que a personagem da Beatriz é a que menos o corpo convulsiona, a que está mais apática nessa situação, ela chega a morrer. Mas eu vejo em todos eles essa vontade de estar em outro lugar e essa vontade viva.

MCB: Agora eu queria que você falasse do A Encarnação do Demônio (2008, José Mojica Marins).

RG: O A Encarnação do Demônio eu fiz depois de filmar Beatriz.

MCB: Como foi esse encontro com o cinema do Mojica no meio desse processo que viria ser o Corpo Presente?

RG: Ah, foi bem bacana, porque, enfim, o Beatriz foi de alguma maneira uma escola cinematográfica também. Porque a partir do Beatriz e desse trabalho é que eu comecei a desenvolver com o Marcelo e com o Paulo, eu comecei a conviver com eles e eles falam de cinema o tempo inteiro. Eles falam mais dos outros filmes do que dos filmes deles mesmos, são pessoas que conhecem muito de cinema, o Paulo é professor de cinema. Dessa forma, eu virei uma devota do nosso cinema também, e o Mojica é um grande mestre do nosso cinema. Foi um filme muito especial, porque há 40 anos o Mojica não filmava, havia toda uma coisa em torno. Tem figuras maravilhosas nesse filme, tem o Jece Valadão, foi o último trabalho dele. Eu me lembro de mim, pequena, assistindo ao Os cafajestes. Minha mãe alugou no vídeo e eu fiquei indignada com Os cafajestes, criança é meio moralista (risos). E aí, de repente... Eu não cheguei a contracenar com o Jece, mas estive em um filme em que ele estava. A Helena Ignez está nesse filme. Então é um filme também histórico, ele tem diversas homenagens. Inclusive, a personagem que eu faço é uma personagem que vinha de um filme antigo do Mojica, do meu preferido com as aranhas, eu achei demais fazer. Eu faço a Lenita, eu assusto o Mojica, não é ele que me assusta, gente (risos). Quer honra maior?

MCB: Você está envolvida em outros projetos?

RG: Há um ano eu fiz um outro filme, uma coprodução Brasil/Espanha chamada Dilema do prisioneiro.

MCB: De quem?

RG: Do Angel García, um diretor espanhol. Não sei quando deve ser lançado. A gente fez um média, eu com o Marcelo Toledo, o Paulo atuou, ele não foi diretor, quem dirigiu junto com o Marcelo foi a Juliana Rojas.

MCB: Qual o nome?

RG: Chama-se Coisas perigosas e belas. Agora eu estou grávida, acho difícil trabalhar como atriz no cinema neste momento, até porque já está pra nascer, nem grávida dá pra fazer, porque daí nasce e perde a continuidade (risos). Eu estou neste momento mais maternal, mas, enfim, como eu acabei casando com o Marcelo, tem uma série de projetos da produtora com os quais eu acabo me envolvendo na produção também.

MCB: É o primeiro filho?

RG: É minha primeira filha, menina, e é a terceira do Marcelo, de um casamento anterior. Mas é isso, eu acho que eu estou cada vez mais apaixonada pelo processo de produção do cinema. Eu gosto da grandiosidade do cinema em contrapartida ao artesanato do teatro, que já me seduziu muito, mas eu me sinto mais identificada com o cinema agora. O que eu acho que vou importar do teatro para o cinema cada vez mais é essa vontade de estar em outras etapas que não só a interpretação, seja na preparação de elencos, seja na produção, seja no roteiro.

MCB: Pra gente finalizar, as únicas duas perguntas fixas do site: qual o último filme brasileiro a que você assistiu? E qual mulher do cinema brasileiro, de qualquer época e de qualquer área, você quer deixar registrada na sua entrevista, como uma homenagem?

RG: Eu quero deixar registrada a Juliana Carneiro da Cunha, que também é uma atriz que fez muito mais teatro do que cinema. Ela trabalha na França com um grupo de teatro, acho que um dos mais antigos da humanidade, o Theatre du Soleil, dirigido pela Ariane Mnouchkine. Ela fez Lavoura Arcaica. Eu acho uma interpretação magistral a da Juliana nesse filme. Embora, sei lá, adore Helena Ignez em A Mulher de Todos. Enfim, gosto de muitas atrizes brasileiras, mas eu escolho a Juliana.

MCB: E o filme?

RG: Trabalhar Cansa, da Juliana Rojas. Vai parecer bairrista... (risos).

MCB: Muito obrigado pela entrevista.



Entrevista realizada na 15a Mostra de Cinema de Tiradentes, em janeiro de 2012.

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.