Ano 20

Regina Maria Dourado

O diretor Marcus Vinícius Cezar, em material de divulgação de seu primeiro longa-metragem, “Espelho D´água, Uma Viagem no Rio São Francisco”, chama a atriz Regina Dourado de uma “força da natureza”. O título cabe como uma luva para essa maravilhosa atriz que há muito encanta o público com seus trabalhos na televisão e no cinema.

 Na telinha, ela vai da solar Lala Sereno na novela “Pão Pão Beijo Beijo” à amarga Alzira em “Anjo Mau”. No cinema, da sofrida Matilde em “Tigipió” à gigante Penha em “Espelho D´água”, Regina Dourado é talento em estado bruto. Ainda se recuperando do câncer que a acometeu, Regina, em nenhum momento da entrevista,  reservou lugar para lamentos. Pelo contrário, sua risada forte e contagiante permeou vários momentos de sua conversa com o Mulheres, pelo telefone, de Salvador.

 “Você vai ficar sabendo em primeira mão: vou atuar na próxima novela da Glória Perez”, avisa. Que bom, assim, além de sua maravilhosa atuação como Penha, em “Espelho D´água”, o público poderá assisti-la diariamente, mais uma vez. Regina Dourado é uma atriz do coração do Brasil. Do Brasil profundo.

    
Mulheres: Regina, você começou sua carreira aí em Salvador? 

Regina Dourado: Sim, aos 15 anos, no teatro, na Companhia Baiana de Comédia, uma companhia de repertório. Aqui, em Salvador, eu estudava canto e dançava também.  

Mulheres: E como foi sua ida para o Rio de Janeiro, onde você faz sua primeira novela,, “Pai Herói” (Janete Clair), em 1979? 

Regina Dourado: Eu nem pensava em ser atriz. Minha intenção era ser professora na Universidade da Bahia. Eu participei de um espetáculo de música e dança na Bienal de São Paulo, não me lembro agora o nome do espetáculo, mas nem pensava nessa carreira, minha ambição era acadêmica. Ia ao Rio só para passar férias, não pensava em ficar, e aí voltava para Salvador. “Pai Herói” foi minha primeira novela, mas antes fiz o “Quincas Berro D’água”, um especial dirigido pelo Walter Avancini.   

Mulheres: Mas sua primeira grande personagem nas novelas foi a Lala Sereno, de “Pão Pão Beijo Beijo” (Walter Negrão), em 1983, não foi? Você guarda boas lembranças desse trabalho? 

Regina Dourado: Sim, lembranças maravilhosas. Foi uma grande novela do Walter Negrão, dirigida pelo Gonzaga Blota.  

Mulheres: E foi quando você, inclusive, fez sucesso com as crianças. Todo aquele núcleo da novela. 

Regina Dourado: É, eu, o Arnauld Rodrigues. E tinha um elenco maravilhoso, Laura Cardoso...   

Mulheres: A saudosa Lélia Abramo

Regina Dourado: Sim, a grande Lélia Abramo. E a partir daí eu fiz praticamente só televisão. Era convidada para compor personagens especiais, cada uma delas com um tipo de composição, um tipo de pesquisa.  

Mulheres: Você fez trabalhos em teatro no Rio ou em São Paulo?

Regina Dourado: Sim,  eu participei de dois musicais, “Vidigal, Memórias de Um Sargento de Milícias”, do Millôr Fernandes, no Rio de Janeiro, e “Tratado Geral da Fofoca”, do Gaiarça,  em São Paulo.   

Mulheres: Em 1984 você chega ao cinema em “Baiano Fantasma”, do Denoy de Oliveira. Você já tinha feito algum curta antes? 

Regina Dourado: Eu fiz uma participação especial naquele filme do Sidney Magal, “Sandra Rosa Madalena”, como uma cigana dançarina, no final de 78. E fiz trabalho de vocalista na trilha sonora do filme “O Encalhe – Sete Dias de Agonia” (1982), do Denoy, cuja trilha era assinada por ele, em que cantava inclusive. Foi aí que o conheci e ele me convidou para o “Baiano Fantasma”, já como atriz.   

Mulheres: E como foi o seu encontro com o cinema?

Regina Dourado: Foi lindo. O Denoy era uma pessoa especial, uma criatura humana especial.  

Mulheres: Seu filme seguinte é um marco, um filme que eu, particularmente, adoro, que é o “Tigipió – Uma Questão de Amor e Honra”, do Pedro Jorge de Castro, em 1986.

Regina Dourado: “Tigipió”, baseado no conto do..., espera que vou me lembrar. Foi um filme que comoveu profundamente. Me comoveu enormemente interpretar uma pessoa que já existiu. Foi uma grande experiência. O Pedro Jorge me levou ao local onde aconteceu aquela história, aquela explosão. Eu conheço a solidão da caatinga, minha família tinha uma fazenda nos confins, naquilo que eu chamo de ôco do mundo. E por isso eu entendia a solidão daquela mulher, com aquele pai, a chegada daquele homem em linho branco. Ela tinha existido, tinha sido um drama vivido.  

Mulheres: É, “Tigipió” é um grande filme. 

Regina Dourado: Mas mesmo o “Baiano Fantasma”, era outro grande filme. Aquele trabalho foi uma ousadia do Denoy, pois como você sabe, aquele filme é todo um cordel. Ali eu já trabalhava com o José Dumont, com quem fiz parceria em outros filmes. O “Baiano” não foi muito entendido na época. O Denoy filmou tudo com uma delicadeza. Esse filme precisa ser revisto.   

Mulheres: O próprio Denoy precisa ser revisto, não é?

Regina Dourado: Sim, ele ainda não foi devidamente reconhecido. O “Encalhe” também é fabuloso. Meu amigo se foi mas a arte dele tá aí. E quanto ao “Tigipió”, Pedro Jorge é um esteta, ele estudou na Itália. Ali tem verdadeiras cenas, planos, em que ele conseguiu transformar em imagem imortal.  

Mulheres: E aí vem o “Corpo em Delito”(1990, Nuno Cesar de Abreu). 

Regina Dourado: “Corpo em Delito” foi um filme difícil de fazer, não só pela temática, muito macabra. Foi um filme que me custou muita exposição física. Acho importante esses registros de momentos históricos negros. Alguém tem que fazer.   

Mulheres: Depois você faz o “Corisco & Dada” (1996, Rosemberg Cariry). Como foi participar desse belo filme? 

Regina Dourado: Foi muito especial, já que não contracenei com ninguém. O Cariry me convidou para costurar o filme, quando fui fazer minha participação o filme já estava feito.  

Mulheres: Tem a Dira Paes em grande atuação. 

Regina Dourado: A Dira, que é ótima, e tem aquele rapaz, o Chico Diaz. Aquela cena em que ele roda e roda e roda, o filme tem cenas inesquecíveis. É um filme cru, no sentido de mostrar a crueza, as dificuldades. O Rosemberg é danado! (risos).   

Mulheres: O próximo é “No Coração dos Deuses” (1999, de Geraldo Moraes). 

Regina Dourado: A minha participação nesse filme é uma grande brincadeira, aquela bruxa sem idade. Quando o Geraldo me convidou ele disse que era para fazer uma bruxa de 400 anos, e eu disse: Geraldo, mas que loucura! (risadas). Aí a gente inventou aquele cabelo enorme, mexer no cabelo serve sempre para marcar passagem de tempo. Pintamos os pés de branco e fizemos aquele simbolismo com o unicórnio na testa.   

Mulheres: E agora, o “Espelho D´água, uma Viagem no Rio São Francisco”. O Marcus Vinícius disse que você é uma “força da natureza”. Eu assisti ao filme e você tem mesmo uma interpretação impressionante, mais uma. Como foi o convite para atuar nesse filme?

Regina Dourado: O Marquinhos me telefonou, a gente ainda não se conhecia. Ele me mandou o roteiro, eu li e fiquei encantada. Eu conheço aquela região do filme, do rio. Meu pai nasceu em Barra do Rio Grande, uma cidade às margens do rio, e depois mudou-se para Casanova, cidade que foi submersa pela barragem de Sobradinho.  

Mulheres: Ambas na Bahia? 

Regina Dourado: Sim. E eu ia passar as férias em Casanova, onde corria para a beira do rio quando os vapores passavam apitando. Minha relação com o São Francisco foi muito próxima, muito mágica mesmo. E o filme é contado pela canoa, é uma fábula. Me apaixonei pela maneira dele de contar a história. Quando cheguei a Penedo, porque minha personagem fica ali em Penedo, já os outros andaram uns 1500 km, eu fui vendo como ele tratava a realidade do povo. Não é aquela coisa de pegar pela pobreza do povo, como um povo triste, desencantado. Não, havia uma delicadeza do olhar, um respeito, mesmo rasgadas as personagens são limpas, não são estereótipos. Eles fazem repente, eles se divertem, eles sofrem, mas eles vivem. Eu me encantei com a sensibilidade especial dele.

Aliás, eu quero falar com ele, eu ainda não falei, sobre os dois meninos do filme, o que faz o Abel criança  e o que faz o neto da Penha. Pelo olhar deles dá para ver que os dois, quando adultos, verão a vida de forma diferentes. O olhar do Abel pequeno é contemplativo, triste. Já o neto da Penha é totalmente espoleta (risos). Foi um filme compensador.   

Mulheres: E teve também o prêmio no Festival de Recife – Melhor Atriz Coadjuvante.

Regina Dourado: Sim, foi muito lindo. Um projeto tão digno. Ah, e fiz também alguns curtas, viu?. O “Tanastakes”, do Almir Guilhermino, de Alagoas, professor de cinema da Universidade de Alagoas, e o “Selvageria”, que foi uma prova final dos alunos da Escola de Cinema de Niterói. Não é o máximo? Achei o máximo ser a prova final dos alunos. (risos)

Em “Espelho D´água” fiquei muito surpreendida com o nosso galã, o Fábio (Assunção). O filme tem interpretações maravilhosas, mas ele me surpreendeu, acho que ali ele tem uma maturidade! Não é o corriqueiro da vida dele, talvez dos personagens que ele recebe.   

Mulheres: É, a escalação do elenco foi muito feliz. O Francisco Carvalho, por exemplo, é uma grande atuação. 

Regina Dourado: Sim. O Aramis é maravilhoso, a Carla Regina está muito bem, cada um com seu personagem, o que faz o moderno (Olavo - Charles Paravente), aquele que faz o líder (Candelário – Severino D´Acelino), que figura impressionante, forte.  

Mulheres: E na TV, você está na novela do SBT. 

Regina Dourado: Não, já encerrei a minha participação, foram 30 capítulos. Foi muito bacana ter ido fazer, foi muito legal. Tomara que eles consigam firmar aquele núcleo de produção. Não é possível que uma cidade do porte de São Paulo não consiga ter um núcleo. Sei que eles já estão criando um 2o horário, com novelas escritas aqui. Eles têm aquela parceria com a Televisa, mas mesmo a “Seus Olhos” já foi toda reescrita aqui.   

Mulheres: Eu li nos jornais que o Doc Comparato está cuidando de um núcleo lá.

Regina Dourado: Sim, ele está estruturando um núcleo novo. Foi uma convivência maravilhosa. Tomara que dê certo;

Ah, é Herman Lima.   

Mulheres: O autor do conto do “Tigipió”? 

Regina Dourado: Sim. Minha cabeça anda ruim, mas eu disse não disse que ia me lembrar (risos).  

Mulheres: E como está a vida aí em Salvador? 

Regina Dourado: Está bem. Estou refazendo, indo mais devagar. Fiz a quimio, fiz a rádio, ainda tem algumas seqüelas, mas estou bem.   

Mulheres: O pior já passou.

Regina Dourado: Sim, o pior já passou.

Ah, você vai ficar sabendo em primeira mão. Eu vou atuar na próxima novela da Glória Perez, com direção do Jayme Monjardim. Ele me convidou. Eles me ligaram aqui para saber como eu estou, e daí estarei na próxima novela.   

Mulheres: Que ótima notícia. O Marcus Vinícius diz que você é uma força da natureza e eu concordo. Acho você uma atriz do coração do Brasil. Na história do cinema brasileiro tem alguma atriz da sua predileção?

Regina Dourado: Eu sempre fico preocupada em falar sobre isso, atriz, diretor. São tantas as amizades, tanta gente nesses anos todos. Mas se for para citar uma, eu cito a Laura Cardoso. Eu disse assim para ela, Laura, quando eu crescer eu quero ser igual a você. Eu sou você amanhã. (risos).   

Mulheres: Muito obrigado pela entrevista e muito sucesso para você. 

Regina Dourado: Muito obrigada. Fique com Deus.  

Mulheres: Fique com Deus também


Entrevista realizada em julho de 2004.

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Sala 
 Sala Dina Sfat
Atriz intensa nas telas e de personalidade forte, com falas polêmicas.