Ano 20

10º Olhar de Cinema - Longas 7

Cena de A matéria noturna, de Bernard Lessa
O site Mulheres do Cinema Brasileiro cobriu todos os longas brasileiros exibidos no 10º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba, que está acontecendo virtualmente de 6  até o dia 14 de outubro.

Ficou faltando ainda só o de encerramento, Nós, de Letícia Simões. Subterrânea (RJ), de Pedro Urano; N?H? YÃG M? YÕG HÃM: Essa Terra  é Nossa! (MG), de Isael Maxakali, Sueli Maxakali, Carolina Canguçu, Roberto Romero; Carro Rei (PE), de Renata Pinheiro,   e Mirador (PR), de Bruno Costa, já tinham sido vistos em outros festivais, ainda assim o Mulheres reviu Mirador.

Os últimos três longas assistidos foram: O bem virá (PE), Uilma Queiroz;  A matéria noturna (ES), Bernard Lessa; Mirador (PR), de Bruno Costa

O Bem virá, dirigido por Uilma Queiróz,  tem como ponto de partida uma prática bastante revisitada em documentários, que é a de ir atrás de personagens de uma determinada  foto histórica. Aqui, a de mulheres grávidas que trabalharam, durante a ditadura civil-militar, nas Frentes de Emergência no sertão do Pajeú, Pernambuco, durante a seca.

Impressiona o relato de 13 mulheres que a diretora localiza, ouve e reúne, da emblemática foto tirada em 1983. São relatos marcados pelo enfrentamento à miséria dos duros tempos, em que o governo se valia, e se vale até hoje, de medidas paliativas para enfrentar a questão das estiagens e das secas nordestinas. E como o próprio filme reverbera em denúncia de há décadas, o Estado, continuamente, explorando a indústria da seca. 

São relatos pungentes, desde as mulheres lutando pelo direito ao trabalho para não morrer de fome junto com seus filhos, o trabalho pesado no barro cercando açudes, a ninharia como pagamento, a exploração do patriarcado sobre seus corpos e vontades.

O Bem virá tem força narrativa, ainda que no terço final, para contextualizar a vida daquelas mulheres, o filme substitui, durante algum tempo, os relatos por análises, que ainda que sejam interessantes e importantes, diluem a força do filme. que está, sobretudo, de forma vigorosa e acachapante, naqueles corpos sertanejos.

Exibido na Mostra Novos Olhares, A matéria noturna é uma produção capixaba dirigida por  Bernard Lessa. Em cena, o encontro entre uma jovem em aparente crise e um moçambicano que desce à terra durante alguns dias enquanto o navio em que trabalha está sendo avariado.

O filme tem uma constituição que causa um certo estranhamento, em algum momento, ainda que fascine. Tem uma primeira parte protagonizada pela personagem feminina, Jaiane, e com uma atmosfera nebulosa, quase um horror de contornos psicológicos e de energias e forças ancestrais materializadas. Como se a solidão e o momento introspectivo da personagem, que trabalha como motorista de aplicativo,  não só a fizesse mergulhar em um mundo de significados íntimos, como também abrisse portas para o manifestação do indizível e do mundo, aparentemente intangível, que nos guia e nos cerca.

Depois vem uma sequência em que ele, Aissa, é quem toma o centro da ação. Seus primeiros momentos em terra firme, o encontro com o primo da Jaiane, o espanto com a força do perigoso mar, as voltas na motocicleta com o novo amigo, a roda de samba. Se ela praticamente habita a noite, ele circula principalmente durante o dia.

E é na roda de samba, onde Jaiane canta e ele vai pela mão do amigo, que o encontro se dá, noite e dia, com ele trazendo afeto e presença para ela, e ela, por sua vez, personificando de fato um porto para ele. Ainda que ambos, em transitoriedade. 

Muito da força de A matéria noturna está no encaixe perfeito entre personagem e intérprete. Shirlene Paixão e Welket Bungué não só dão a dimensão que o roteiro pede, como parecem ir além, como se cada um compusesse um gestual muito particular, e que, no entanto, se almagamassem, quando juntos, em um encontro de fato.

Toda vez que um mãe da família diz orgulhosa que o marido é tão bom que até a ajuda em casa faz parecer, imediatamente, a erupção de um tilintar  de esgares feministas. Ora, se a fala é essa, ela não só assume a função como só sua, como também  dá certeza ao marido de achar que é isso mesmo. Mirador, de Bruno Costa, tem muito a ver com isso, ainda que o ponto inicial seja o basta feminino a esse secular estado de coisas.

Esse é ponto de partida de Maycon, um boxista que se vira em subempregos para dar conta do corre enquanto esbraveja com o que considera cobranças de sua ex-companheira e mãe de sua filha: "Mas que mulher chata"". E é quando ela resolve zarpar, deixando a filha pequena para ele cuidar full time, aí é que Maycom vai ter que ver com quantos paus se faz uma canoa.

Mirador focaliza esse ponto de partida de uma nova realidade para seu personagem e nos faz acompanhar de perto esse desviar de rota se configurando como um novo caminhar. Maycon, que já se virava em bicos, terá que se multiplicar mais ainda, tanto para garantir o sustento da filha como para cuidar literalmente dela, tanto para reconfigurar seu olhar para a vida como para estabelecer, de fato, uma relação de pai e filha com a garota. 

Mirador é muito bem dirigido por Bruno Costa, com uma narrativa que jamais se desfaz em interesse durante toda a projeção da história.

Aqui também está em cena um grande ator, Edilson Silva, que traz nuances em crescente para o seu personagem. Do saco cheio do início, passando pelo espanto e por fim pela instauração do afeto, ele é capaz de não só de nos seduzir como a torcer por ele. Ainda no elenco, a garota Maria Luiza da Costa também é um achado. Um belo filme.


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10º Olhar de Cinema - Festival Internacional de Curitiba
De 6 a 14 de outubro de 2021
Programação e exibição - www.olhardecinema.com.br
Ingressos: 5 reais

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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior