Ano 20

15a CineBH - Mostra CineMundi

Cena de Aos olhos de Ernesto, de Ana Luiza Azevedo
Realizada pela Universo Produção, a 15a CineBH - Mostra Internacional de Cinema, em cartaz virtualmente de 28 de setembro a 3 de outubro, tem como foco o mercado.

Um dos destaques  da Mostra é o Brasil CineMundi, espaço que possibilita aos cineastas e produtores encontros para possíveis parcerias com representantes do mercado internacional .

Um dos recortes da programação da CineBH é a Mostra CineMundi, que apresenta filmes que participaram desses encontros. Estão sendo exibidos: A Febre (Maya Da-rin, Brasil/ Alemanha/ França), A Morte Habita à Noite (Eduardo Morotó, SP/ PE), Aos Olhos de Ernesto (Ana Luisa Azevedo, RS), Carro Rei (Renata Pinheiro, PE), Desterro (Maria Clara Escobar, Brasil/ Argentina/ Portugal) e Todos os Mortos (Marco Dutra e Caetano Gotardo, Brasil/ França).

O Mulheres do Cinema Brasileiro já tinha visto Todos os mortos em outro festival e escreveu sobre ele. Dessa seleção da CineBH, conferiu A morte habita à noite, Aos olhos de Ernesto, Desterro e Carro-Rei.

Carro Rei é filme que apresenta uma alegoria política a partir da história de um menino que nasceu dentro de um carro e, a partir daí, desenvolve o dom de conversar com o veículo, que integra a frota de taxi dos pais. Com a morte de sua mãe, depois de crescido ele toma outro rumo, integrando-se à faculdade de agricultura familiar, mas diante da perseguição que atinge seu pai, seu tio e outros transportadores da cidade, reencontra-se com o seu passado e com o seu dom.

Renata Pinheiro é cineasta de talento, com filmes de destaque na carreira como o curta SuperBarroco (2008) e o longa Amor, Plástico e Barulho (2013). Aqui, no entanto, com Carro Rei, nem sempre consegue o domínio de cena mostrado anteriormente.

Carro Rei começa bem e mais para o final ganha tônus, mas em boa parte do filme toma um caminho pouco atraente, e não só no roteiro, mas, sobretudo, na encenação hiperbólica. Matheus Nachtergaele, o tio outsider, depois transmutado em líder perigoso, radiografa bem a estética do filme, pois sua interpretação começa fascinante e depois se perde  em superrepresentação. 

A alegoria política de Carro Rei ecoa o momento de descaminho atual do país, Melhor filme no último Festival de Gramado, tem na trilha sonora, também premiada, o irresistível hit setentista Automatic Lover, de Dee D. Jackson. Carro-Rei  é, inclusive, o filme que encerra a 15a. CineBH.

Desterro é esperado longa de Maria Clara Escobar, que estreou no formato com o marcante Os dias com ele (2012). Se no filme anterior estava em cena sua relação com seu pai, portanto com o foco central naquele personagem masculino, em Desterro a cena é das personagens femininas.

São várias as mulheres do filme, sendo Laura, interpretada por Carla Kinzo, a protagonista. Já os homens, ainda que Otto Jr também protagonize, circulam por um geografia que é delas, como se orbitassem à sua volta, ainda que os caminhos e os descaminhos delas também tenham sido traçados pela relação e pela presença deles, o tal patriarcado.

Há uma economia na estética do cinema de Maria Clara que ilustra perfeitamente o que seu cinema parece querer dizer. É como se a ordem externa confrontasse o caos interno de suas personagens, que é, afinal, onde tudo acontece, onde tudo é.

O panorama caleidoscópico das personagens, às vezes, de deslocam demais do todo, mesmo que ali também esteja o todo. Como no encontro assistido pela protagonista no metrô com uma Grace Passô sempre dona da cena, assim como no segundo monólogo de Bárbara Colen. O filme revela, ainda, momento de doce ternura com a aparição de Maria José Novais Oliveira, como uma das personagens do ônibus além-fronteiras, e, para muitas, como uma possibilidade de refazimento de trajeto.

A morte habita à noite, de Eduardo Morotó, é um dos destaques da seleção. Com roteiro que mergulha nos relatos de Charles Bukowski, o filme mira sua lente para um homem de 50 anos que vive em subempregos, às voltas com o alcoolismo, a doença, a paixão e o abandono.

Deixado pela companheira Lígia, Raul, um outsider carismático, atrai para seu caminho, mesmo sem querer, outras mulheres, como a desajustada Cássia e a enigmática Inês. E é na relação com essas três mulheres, e, sobretudo, como reage a cada uma delas, que ele vai traçar não só o seu destino, como também o seu lugar ou o seu não lugar na vida.

O roteiro, interpretação e direção  do filme dão conta não só de nos fazer mergulhar junto com seu protagonista em sua via-crucis, como nos reconhecer por inteiro ali. E o reconhecimento aqui não é por uma possível similaridade com seus personagens, e sim com o que há de profundamente humano em cada um deles.

Um filme como A morte habita à noite depende, e muito, de seus atores, e Roney Villela é mesmo um assombro, não à tôa merecedor do prêmio de Melhor Ator em festival em Portugal. Mariana Nunes, Endi Vasconcelos e Rita Carelli, as três mulheres de sua vida, também estão ótimas em cena e na química com ele.

A morte habita à noite é filme, para quem se interessar pelo mostrado, que nos toma pela mão. E ainda que as personagens femininas trafegam por radiografia às vezes por demais sexualiazada, a misoginia não se instala no protagonista. Na ótima trilha sonora, a deliciosa "Sandra", de Gilberto Gil, em sequência marcante.

Aos olhos de Ernesto é o outro grande destaque dos filmes vistos. Dirigido por Ana Luíza Azevedo, é exemplar em que tudo deu certo. Como não se deixar seduzir e se apaixonar pelo protagonista, um solitário aparentemente ranzinza, quase cego, e com coração aos pulos  estimulado pela chegada de uma garota em sua vida?

O roteiro de Ana Luíza Azevedo e de Jorge Furtado traça uma história em que seus personagens saltam da tela  em carne, ossos, pulso e veias. A solidão instalada na vida de Ernesto e a rajada de vida que cruza seu caminho e que ele agarra com gana dão a temperatura exata para que , mais que acompanhar, tornamos cúmplices do caminhar daquelas gentes.

Assim como em A Morte habíta à noite, Aos olhos de Ernesto é filme que também depende, e muito, de seus atores, e aqui, como lá, também temos um ator plenamente senhor do seu ofício, Jorge Bolani. Assim como são também a jovem Bia de Gabriela Poester, o vizinho Javier de Jorge D´Elia, o filho Ramiro de Julio Andrade.

Aos olhos de Ernesto tudo parece se revelar por outro prisma, e que os caminhos fáceis podem se transmutar quando olhamos para as coisas com olhos livres. É filme que aposta em possibilidades, um convite a sorver ainda o copo que está cheio de ar.



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15a CineBH - Mostra Internacional de Cinema de Belo Horizonte
De 28 de setembro a 3 de outubro de 2021.
Programação e exibição - cinebg.com.br

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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior