Ano 20

24a Mostra Tiradentes-MostraVertentes Longas

Priscila Rezende em cena de Negro em mim, de Macca Ramos
"Vertentes da Criação" é a temática central da 24a Mostra de Cinema de Tiradentes. Com esse foco, a curadoria sinalizou o contexto da pandemia e suas consequências  no mundo, aqui especificamente no cinema, com o fechamento de salas, interrupção de projetos e de filmagens, somando-se a retrocessos das políticas públicas ao audiovisual.

No material de apresentação da temática 2021, a curadoria conceitua: 
"Parte das discussões a serem tratadas em filmes e debates ao longo da Mostra veio da própria experiência em Tiradentes de diretores, diretores de fotografia, atrizes, atores, montadores, diretores de arte e roteiristas, que apresentam, a cada ano, ricas e múltiplas vertentes de processos criativos, através de intervenções questionadoras que se descolam de modos e procedimentos criativos e de produção mais normativos do ponto de vista técnico e estético".

A temática central está representada em seleção de filmes que compõe mostra homônima, em longa e curta-metragem. São eles:

Longas: #eagoraoque (SP), de Rubens Rewald e Jean-Claude Bernardet; Agora (PE), de Dea Ferraz; Entre Nós talvez Estejam Multidões (MG/PE), de Aiano Bemfica e Pedro Maia de Brito; Negro em Mim (SP/MG/BA/PE/PA), de Macca Ramos; e Pajeú (CE), de Pedro Diógenes.
Curtas: Uma Noite sem Lua, de Castiel Vitorino Brasileiro; Filme de Domingo, de Lincoln Péricles; e República, de Grace Passô.

Os longas Agora, Entre Nós talvez estejam multidões e Pajeú, assim como curta República, já foram assistidos e registrados em olhares críticos aqui no Mulheres. Todos eles, filmes importantes, relevantes e sinônimos do que de melhor nos tem sido apresentado pelo cinema brasileiro contemporâneo. Com isso, coube ao Mulheres conferir os outros dois longas e dois curtas da seleção.

#eagoraoque (SP), de Rubens Rewald e Jean-Claude Bernardet é filme que coloca no centro da ação um intelectual, o filósofo e escritor Vladmir Saflate, a partir de uma provocação, que o próprio filme se lança inclusive em sua sinopse: "Como agir hoje politicamente? É possível mudar as coisas, as pessoas, a sociedade? E agora, o que fazer? Um intelectual e suas contradições".

Saflate, figura carimbada na mídia a partir de seus textos em colunas, palestras e lançamentos dos seus livros, encarna aqui o personagem, que, ficcional, traz, no cerne, o universo político de seu intérprete.

No filme, ele é confrontado pela filha e pelo pai, interpretado por Jean-Claude, um dos diretores, por líderes comunitários, na academia, e por comunidades. No seu campo real, embutido no ficcional, passam e perpassam figuras políticas, ativistas e do pensamento como Guilherme Boulos, Preta Ferreira e Mano Brown, como também moradores da periferia.

#eagoraoque é filme que se constrói titubeante e vamos acompanhando o trajeto daquele universo um tanto distante, pois resultado de roteiro, assinado pelo diretores, Bernadet e Rewald, sem tônus à altura de seu tema. O que, aliás, acaba se tornando bastante coerente com a apatia manjada que o personagem classe média suscita, e que nem os confrontos com o pai e a filha aumentam a temperatura. O momento em que o filme realmente salta é no encontro entre o protagonista e uma turma de jovens do Capão Redondo, em que enfim a arena se estabelece e as coisas, e o estado delas, é finalmente colocado em seu devido lugar.

Negro em Mim (SP/MG/BA/PE/PA), de Macca Ramos, se sai melhor no resultado do que se busca, que é, de certa forma, remontar o olhar fundador de um universo simbólico a partir de um recorte historiográfico das artes negras no Brasil: música, teatro, dança, performance, artes visuais, poesia, escultura.

O cineasta Macca Ramos, que também assina o roteiro e a montagem, cruza várias cidades brasileiras para encontrar artistas pensadores negras e negros, que, a partir de suas teorias,  arte e expressão artística, refazem, reconfiguram e refundam trajetórias, desde a diáspora até o Brasil atual.

Ainda que aqui se alcança  e se desenhe um recorte político muito mais expressivo e pulsante que o de #eagoraoque, ressalvando os limites entre o artístico e o social, ainda que a imbricação desses seja incontornável, não quer dizer que Negro em mim também resulte grande de ponta a ponta. Há, enquanto cinema, momentos retilíneos, e que atingem picos de alta voltagem em outras tantas passagens, seja nas falas, nos gestos, nos corpos

Pela escolha plural de linguagens, de artistas e de pensadores, esses picos se dão exatamente  quando Macca encontra personagens incríveis, seja nos versos inquietantes e geniais do poeta Miró da Muribeca ou no corpo denúncia da performer Priscila Rezende, seja no pensamento incontornável do historiador Salloma Salomão ou na altivez artística da cantora e compositora Luedji Luna. Aliás, a  mineira Priscila Rezende, cuja foto ilustra a matéria, deveria explorar mais o audiovisual, pois sua presença na tela é arrebatadora, vide a abertura do filme e depois na sequência de sua cena.

Negro em Mim faz painel caudaloso  para quem quer conhecer um pouco mais sobre as artes negras no país. Agora, não mais reivindicando lugar e sim como instauração de muito do que de maior se faz atualmente na cena brasileira, a partir de inquietações artísticas e de corpos políticos.



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24a Mostra de Cinema de Tiradentes
22 a 30 de janeiro de 2020 - Programação gratuita
Informações e exibição - www.mostratiradentes.com.br


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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior