Ano 20

15a Cineop - Mostra Contemporânea Longas 2

Cena de Dorivando Saravá, o preto que virou mar (2019), de Henrique Dantas
A Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto comemorou seus 15 anos de trajetória de 3 a 7 de setembro. Na programação extensa e gratuita, um dos recortes apresentados foi a seleção de longas da Mostra Contemporânea, formada por sete filmes, e Dorivando Saravá, o preto que virou mar (2019), de Henrique Dantas é um deles.

Fosse parte do território brasileiro coberto de gelo, ainda assim os moradores desse torrão saberiam, entenderiam e sentiriam a temperatura do sertão brasileiro lendo João Guimarães Rosa e Graciliano Ramos. Têm artistas que possuem a capacidade não só de dar conta de uma geografia a partir de sua pena, como também a de eternizá-la no imaginário. E isso não é feito como se fora na construção de um cartão-postal, em que os melhores ângulos são enfocados, mas como a de enfronhar-se, revirar e mergulhar em suas vísceras, e trazer à tona camadas subterrâneas para compreender ainda mais o que está em primeiro plano, à mira do olhar.

Assim é o mar em Dorival Caymmi. A Bossa Nova, a partir de inúmeros e geniais compositores, trouxe o mar para o centro do acorde, e dali vemos o barquinho indo e vindo, como cantos juvenis de praia, sol e biquini, ou cantos outonais de miragens autorreflexivas e autorreveladoras  de pôr-do-dol. Já em Caymmi, o mar é de outra cepa. É dos trabalhadores, dos saveiros, das jangadas, da pesca, do arrastão, dos pretos. É de dentros. É dos mistérios ocultos. É de Iemanjá. Em um homem só está todo o mar. Em um homem só está todo o mar de um país. Em um homem só está todo um país.

Daí que o belo filme de Henrique Dantas já acerta em seu título. Dorival virou mar porque se tornou o mar. O mar dos pretos. Do preto valentão que se deita, sonha e adormece na beira da praia, daquela que perfuma a caminha macia de alecrim e reza pela volta do amado pescador, daqueles que chamam o vento para eriçar a vela e  levar os barcos. do mar que quando quebra na praia é bonito, é bonito, é bonito.

Dorivando Saravá, o preto que virou mar mira sua lente também para a religiosidade de matriz africana, para os orixás, para o candomblé, morada do artista. E se os orixás estão e são representação e exaltação da natureza, nada mais coerente que seja, assim como o mar, o universo explorado em junção pelo filme e compondo um retrato riquíssimo de seu Sujeito focalizado. Sim, sujeito, porque nem aqui Dorival Caymmi se torna objeto, pois jamais representa ou indica caminho. Dorival É. Dorival é o caminho e o próprio caminhar.

Henrique Dantas constrói planos belíssimos durante todo o filme, sobretudo filmando o mar. Como quase em todo documentário, estão lá também os depoimentos, essa quase indesviável bula do formato, ainda que aqui, pelo menos, não fica no rame rame de exaltar o exaltado, e proporciona bons momentos, como nas falas de Tom Zé,  na presença elegante de Matheus Aleluia, e de Jussara Silveira, que ao lado de Gal Costa, fez o disco mais lindo sobre o compositor e cantor. Há de se registrar, a ausência dos filhos famosos, Dori, Nana, Danilo - esse último, se não engano, figura na lista de agradecimentos. Ainda que, na verdade, não faça falta.

Dorivando Saravá, o preto que virou mar tem 86 minutos, que desfilam pela tela em encantamento. E traz, mais uma vez para perto de nós, esse genial artista, porta-voz de um Brasil outro, de um Brasil que agora virou sonho.


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15a Cineop - Mostra de Cinema de Ouro Preto
De 3 a 7 de setembro de 2020 - Programação gratuita
www.cineop.com.br

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Sala 
 Betty Faria
Com amor profundo pelo cinema, premiada em vários festivais no Brasil e no exterior